A Carris Metropolitana é um projeto inteligente: uma única marca, um único sistema de bilheteira para todos os transportes públicos rodoviários da Área Metropolitana de Lisboa (AML). Autocarros novos, à século XXI, 820 linhas, 2000 percursos, 90 linhas noturnas e mais oferta ao fim-de-semana – tudo isto estava anunciado já para este verão, só que afinal. A história podia acabar assim. Um belíssimo e catastrófico arranque acaba de catapultar o sonho da Carris Metropolitana para 2023.
Esteve tão perto. Andando longe da ambição desejada para a modernização dos modelos de transporte, a Carris Metropolitana é um acerto de contas com a lógica: deixa de haver dezenas de concessionários de transportes na Grande Lisboa, descoordenados, um por concelho, cada um com o seu cartãozinho e os seus horários. Simplifica o sistema e renova a frota de autocarros, sendo uma boa medida para facilitar o uso e melhorar a oferta. Envolve negociação, organização e, por isso, merece crédito. Como se diz na AML, merece respect. Não sendo utilizador quotidiano do autocarro, mostrei-me em vários momentos entusiasta deste pequeno passo. Mas afinal. Há sempre um afinal.
Ninguém antecipou as falhas no motor de arranque. Típico. A primeira fase de implementação da Carris Metropolitana avançou a 1 de junho em cinco concelhos da Margem Sul (Alcochete, Moita, Montijo, Palmela e Setúbal), com o objetivo de “afinar últimos detalhes”. Só que nenhum detalhe se afinou: passageiros apeados, atrasos colossais, motoristas perdidos, horários desatualizados nas paragens. Houve quem desenhasse horários à mão nas estações, quais pinturas rupestres – artefactos que deviam seguir para o Museu da Carris. Uma coisa resultou, todavia: os autocarros eram, de facto, amarelos. Aqueles que apareceram. Parte deles, surgiram com o moderníssimo visor LED desligado, obrigando à colocação da boa velha folha A4, com o destino da carreira escrito à mão. Aborta missão. Ala para 2023.
A revisão dos modelos de transporte tem de passar de um sonho a uma constante da vida. Portugal é o segundo país da União Europeia onde mais se usa o carro (apenas atrás da Lituânia). Urge, portanto, substituir os fumeiros individuais por alternativas confortáveis, viáveis e acessíveis. No plano para evitar a extinção da espécie humana – um plano simpático, diga-se de passagem -, este é o passo zero da transição verde, numa realidade em que os transportes são os principais emissores de CO2.
Não é a primeira vez que assistimos a um grandioso fail com autocarros. Em 2018, a Sociedade de Transportes Coletivos do Porto (STCP) encomendou 173 autocarros dos bons, a gás, para renovar a frota. Só que os impecáveis veículos chegaram e rapidamente se percebeu que eram demasiado altos para passar numa série de viadutos da região. Por outras palavras, afinal. Para contornar o berbicacho, mantiveram-se as velhas fragonetes a fazer essas rotas e as cabines dos novíssimos autocarros ganharam autocolantes para os motoristas mais distraídos: atenção que este menino não passa neste e naquele túnel. Uma vez mais, o progresso esteve na calha, mas afinal.
Que incapacidade é esta para planear e concretizar boas ideias? Porque teima a realidade em enfatizar esse problema como traço nacional? O “afinal” português. De quem é a culpa? No adiamento da Carris Metropolitana, a Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML) culpa os operadores de transporte. Já os operadores de transporte culpam a escassez de matéria-prima, resultante da covid-19 e da guerra na Ucrânia. Afinal.
Os autocarros amarelos da Metropolitana estão equipados com Wi-Fi, ar condicionado e pontos de carregamento USB. Tudo isto é inquestionavelmente bom, mas lá está: por precaução, talvez fosse de dar prioridade a que o autocarro apareça. A que o motorista saiba o caminho. A que exista um horário. Pelo sim, pelo não, equipe-se antes a paragem com estas benesses da tecnologia: Wi-Fi, USB e ar condicionado. Vai dar jeito, enquanto esperamos sentados.
Lá estaremos em 2023!
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