Num abrir e fechar de mão, Will Smith ditou o bitaite nos Cafés Centrais. A geopolítica segue dentro de momentos. Digam o que disserem, só um grande ator consegue matar dois coelhos de uma estalada só: covid-19 e guerra da Ucrânia. Enquanto a opinião pública segue a batuta do dia – primeiro sinal da normalidade pós-pandémica -, a Comissão Europeia pede fim aos passaportes dourados e mais controlo para os vistos gold. Será desta?
Está na hora. Bruxelas exortou os Estados-membros da União Europeia a “revogar imediatamente” os passaportes dourados. Como sabemos, este simpático nome designa a possibilidade de nacionais de países terceiros obterem cidadania em troca de investimento. Na Bulgária, em Malta ou no Chipre, vigoram regimes onde se pode “comprar” a nacionalidade por transferência bancária. O problema? A cidadania europeia não pode estar à venda. Este fraco controlo, sem fraco consolo, “tem consequências negativas noutros Estados-Membros, destruindo a confiança mútua e minando valores comuns”, alerta o Parlamento Europeu. Num debate em plenário, acelerado pela questão dos oligarcas russos, os eurodeputados alertaram para os riscos destes programas – facilitadores da evasão fiscal, da corrupção, do branqueamento de capitais.
Mas os três países dos “passaportes dourados” não estão sozinhos. Portugal integra um grupo de 19 países onde há programas de residência por investimento, como os “vistos gold”: garantir autorizações de residência a cidadãos de países terceiros que comprem cá.
Em vigor desde 2012, os “golden visa” tiveram um impacto sério no mercado imobiliário português, tendo como objetivo atrair investidores estrangeiros. Em dez anos, foram concedidos mais de dez mil vistos dourados em Portugal, maioritariamente a cidadãos chineses e brasileiros, mas também russos, estadunidenses e sul-africanos, que vestissem um dos seguintes requisitos: comprar um imóvel de valor superior a 500 mil euros; transferir um milhão de euros para cá; criar 10 postos de trabalho; adquirir e reabilitar um imóvel com, pelo menos, 350 mil euros.
Infelizmente, há neste processo pouco escrutínio da origem das fortunas, cujos detentores passam a poder circular no espaço Schengen. O alerta soou tarde – agora, que as sanções à Rússia acordaram a Europa para o facto de que o dinheiro vale todo o mesmo, mas não pode valer todo o mesmo.
É um debate antigo. Curiosamente, nunca pudemos contar com a indignação dos nossos paladinos do nacionalismo fanático. Para estes, a pátria só deve fechar portas aos cidadãos estrangeiros, imigrantes, refugiados, que desejem praticar uma vida honesta no nosso país. Os super-ricos compram o seu direito sem que nenhum quarto Pastorinho se apoquente. Espera-se que 2022 seja o ano em que o Governo revê o esquema dos vistos dourados, promovendo mais transparência e escrutínio. O mesmo no Espaço Europeu.
Poderá a guerra na Ucrânia pôr em marcha um combate sério à evasão fiscal, ao branqueamento de capitais, em nome da defesa e segurança na Europa?
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