A comunicação social desempenha um imprescindível e inquestionável papel enquanto mediador entre a realidade e a comunidade. No entanto, devem os media ter consciência de que a sua capacidade de ressonância constitui simultaneamente uma virtude e um perigo para direitos fundamentais, designadamente quando a informação veiculada envolve crianças em contexto de conflitos parentais.
Vem este artigo a propósito da notícia de abertura do jornal da noite de um determinado canal televisivo em que eram difundidas imagens de um pai a entregar a filha de apenas 21 meses aos agentes da PSP que se deslocaram aos estúdios do referido canal para o efeito, após aquele se ter recusado a entrega-la à mãe em desrespeito do regime de regulação das responsabilidades parentais estabelecido pelo Tribunal.
Confesso que fiquei chocado e impressionado com as imagens que estavam a ser transmitidas e com a exposição pública da criança, uma vez que embora ocultado o seu rosto, a verdade é que eram claramente identificados os pais e, portanto, no futuro, fácil será a identificação daquela no meio onde reside, no jardim de infância ou, mais tarde, na escola.
Questionei-me qual o valor, enquanto informação, da exposição daquela situação concreta e designadamente qual a sua relevância para a comunidade a quem a informação se dirige.
Afinal apenas estava em causa uma situação de foro privado e íntimo daquela família, infelizmente comum a tantos casais em rutura, cuja exposição pública em nada contribuiria para a sua sanação e onde não consigo alcançar qualquer valor informativo de relevância para os destinatários da informação.
Será que a necessidade de aumentar as audiências justifica tudo? Será cumprir o dever de informar o aproveitamento mediático da situação de uma criança envolvida numa situação de conflito parental?
A Convenção sobre os Direitos da Criança (Convenção), consagra preceitos especificamente direcionados à intervenção dos meios de comunicação social quando estejam em causa factos que envolvam menores de idade, designadamente os Estados signatários comprometeram-se a favorecer a elaboração de princípios orientadores adequados à proteção da criança contra a informação e documentos prejudiciais ao seu bem-estar.
A própria Federação Internacional de Jornalistas estabeleceu regras gerais de conduta, como as “Guidelines for Journalistes and Media Professionals”, segundo as quais os jornalistas devem ter em consideração que “a liberdade de expressão é muito importante para os profissionais dos media, mas tem se ser ponderada quando em presença de outros direitos, com particular ênfase para os direitos das crianças a serem protegidos do medo e da exploração.
Neste contexto, para garantir o respeito pelos direitos das crianças e evitar os efeitos nefastos que a publicidade de aspetos da sua vida possa originar, está vedada à comunicação social a identificação direta ou indireta de crianças e jovens vítimas de crime ou de outras situações de perigo, que se encontrem envolvidos em processo tutelar cível em que se discutam responsabilidades parentais.
O cumprimento dessa guideline não se basta com o ocultar o rosto da criança nas imagens, mas exige que da informação não resultem elementos que permitam claramente a sua identificação, como a difusão das imagens dos pais ou da sua residência.
A exposição mediática da situação de uma criança envolvida em processo de decisão sobre o exercício das responsabilidades parentais não constitui informação, mas a exploração mediática e gratuita de uma criança, mesmo que tenha existido consentimento dos pais, sobretudo se a informação fornecida permite a sua clara identificação, e que pode ter consequências absolutamente devastadoras e irremediáveis no seu desenvolvimento.
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