O Comité de Ministros do Conselho da Europa adotou em 6 de outubro de 2000, portanto há mais de 20 anos, a Recomendação REC(2000)19 sobre o papel do Ministério Público no sistema de justiça penal.
Uma das recomendações para os Estados era a de garantir que o Ministério Público possa exercer as suas funções em condições legais e organizacionais adequadas, nomeadamente quanto aos meios financeiros ao seu dispor, designadamente um estatuto adequado, apoio organizacional e recursos, quer em termos de pessoal, instalações, meios de transporte e um orçamento adequado, devendo os magistrados do Ministério Público ter um papel relevante na definição das mesmas.
Os sucessivos relatórios do GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção) que colocam Portugal entre os países com menor taxa de implementação de medidas anticorrupção, recomendam há anos que seja atribuída autonomia financeira ao MP, tarefa ainda por realizar no caso português.
A efetiva autonomia financeira do Ministério Público é uma condição inerente à própria autonomia desta magistratura em relação ao poder executivo e sem a qual a mesma será sempre incompleta.
O problema é que o poder político não quer renunciar ao controlo que pode exercer sobre a Justiça e as magistraturas, em particular a do MP.
Para além daquilo que já temos salientado e que se reporta à insuficiência de meios humanos, materiais e de recursos essenciais à investigação criminal e ao combate à criminalidade económico-financeira, são múltiplos os sinais que indicam essa propensão do Governo para tentar controlar o Ministério Público e asfixiar os seus meios e recursos.
Começa desde logo pela manifesta desadequação da orgânica dos serviços de apoio da Procuradoria-Geral da República às necessidades atuais do Ministério Público, mantendo-se inalterável o decreto-lei que a regulamenta desde 2009 e não procedendo o poder executivo à sua adaptação e ajustamento ao novo EMP, aos novos departamentos criados e às novas necessidades.
Ainda recentemente o Ministério da Justiça, através da Diretora Geral da Administração da Justiça, deu mais um sinal da sua prepotência, do total desrespeito pela autonomia do Ministério Público e dos seus magistrados, ao ter suspendido, sem qualquer audição dos respetivos representantes, o pagamento de ajudas de custo e de transporte aos magistrados, e que lhes são devidas.
Para além disso, a mesma diretora, decidiu de forma unilateral e sem que tenha existido qualquer alteração legislativa, reduzir o pagamento das ajudas de custo aos magistrados do quadro complementar, passando de um dia para o outro e no mesmo quadro legislativo a efetuar uma interpretação de uma norma do EMP de forma diversa daquela que até aí estava a ser seguida e diversa daquela que é seguida pelo Conselho Superior da Magistratura em relação aos juízes, porque dotado de autonomia financeira, em clara violação do princípio do paralelismo das magistraturas.
Como se não bastasse colocou para consulta pública um projeto de “Regulamento de Deslocações em Serviço e de Ajudas de Custo e Transporte”, aplicável aos magistrados do ministério público, sem que tenha cuidado de ouvir o SMMP na qualidade de representante dos magistrados, nem as próprias estruturas de gestão do MP, como demonstração inequívoca do “quero, posso e mando” e, em clara violação, do princípio da autonomia do Ministério Público em relação ao poder executivo; e pretendendo que o mesmo tenha efeitos retroativos, quando contém normas claramente atentatórias da dignidade dos magistrados e limitadoras do exercício das suas funções.
A falta de consagração legal de uma autonomia financeira do Ministério Público está a ser usada pelo poder executivo para limitar a atuação do Ministério Púbico e o exercício das suas atribuições; e, para não pagar e limitar de forma totalmente arbitrária componentes da retribuição dos magistrados, como acontece com o pagamento das acumulações de serviço que não é efetuado desde 2019 ou das ajudas de custo e de transporte.
Tudo isto é feito, ao contrário das recomendações do Conselho da Europa, à revelia dos magistrados, que não são sequer ouvidos sobre estas matérias e que claramente conprometem o exercício das suas funções.
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