Na passada sexta-feira tomou posse, na Procuradoria-Geral da República, o novo diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal. O DCIAP é um órgão de coordenação e de direção da investigação e de prevenção da criminalidade violenta, económico-financeira altamente organizada ou de especial complexidade.
Criado em 1998 e instalado no ano seguinte, na dependência da Procuradoria-Geral da República, para a coordenação e investigação da criminalidade mais grave e complexa de âmbito nacional e transnacional, tinha igualmente como função, nas palavras do então Procurador-Geral da República, Cunha Rodrigues, “tentar acabar ou dissipar as «quintinhas», articular as várias polícias, na parte processual (…) permitindo aproximar as polícias para que o trabalho seja articulado e conjunto e que possa beneficiar o sucesso da investigação criminal”.
A sua função de coordenação compreende o exame e a execução de formas de articulação com outros departamentos e serviços, nomeadamente de polícia criminal, com vista ao reforço da simplificação, racionalidade e eficácia de procedimentos, bem como a elaboração de estudos sobre a natureza, o volume e as tendências de evolução da criminalidade e os resultados obtidos na prevenção, na deteção e no controlo.
As atuais exigências da criminalidade económico-financeira, cada vez mais global, mais organizada, mais complexa, estruturada de forma mais sofisticada, com uma cultura de silêncio entre os seus membros, que recorre a meios tecnológicos sofisticados de encriptação das comunicações efetuadas, com formas eficazes de dissimulação da circulação dos fluxos financeiros e vantagens económicas, claramente diversa daquela que existia em 1999, exigem um DCIAP cada vez mais preparado para responder a esse tipo de criminalidade.
Embora objeto já de uma reorganização interna de forma a responder a essas exigências, sobretudo a partir da direção de Amadeu Guerra, o novo diretor do DCIAP tem ainda pela sua frente uma exigente tarefa que requer todo o seu empenho, audácia, rasgo e capacidade de motivação e congregação de esforços de todos os que nele trabalham.
As exigências da criminalidade atual exigem que os magistrados do DCIAP trabalhem necessariamente em equipa, numa relação umbilical com os órgãos de polícia criminal que coadjuvam o Ministério Público na investigação criminal e com apoio numa rede multifacetada de saberes e conhecimentos técnicos.
É essencial ainda que detenham uma ferramenta informática adequada, como o programa “ProMP”, em desenvolvimento na PGR, que garanta a interoperabilidade aplicacional entre todos, para a troca de informação, particularmente informação estruturada, entre sistemas.
Mas a necessária qualidade, celeridade e eficácia das investigações exigem do novo diretor e do próprio DCIAP um conceito essencial – estratégia. Estratégia organizacional de forma a melhor rentabilizar os recursos em função do resultado esperado e igualmente estratégia processual que impõem a definição clara do objeto de cada processo, a sua direção efetiva e não puramente formal e a sua concentração, tendo como desígnio principal a obtenção do melhor resultado possível em tempo razoável.
Existem, no entanto, obstáculos à prossecução eficaz das competências do DCIAP, o primeiro deles sendo, principalmente, a falta de recursos, nomeadamente recursos de investigação especializados como as perícias. De um modo geral, o DCIAP não dispõe de verbas suficientes para uma investigação constante e eficaz, dependendo muito dos recursos da PGR (como o Núcleo de Assessoria Técnica – NAT) ou dos recursos dos OPCs, nomeadamente da Polícia Judiciária.
O facto da não consagração de uma real e efetiva autonomia financeira do MP, torna a atividade de investigação extremamente dependente de verbas orçamentais previamente fixadas, não contribuindo para uma evolução do momentum de investigação.
O segundo obstáculo é a inexistência de um gabinete de intelligence: o DCIAP, de acordo com as suas competências de organismo centralizador de informação, recolhe grandes quantidades de informações sobre todos os processos-crime relacionados com um elenco de crimes previamente fixados e que exigiam a necessária capacitação em termos de tratamento dessa informação, seja a nível de prevenção criminal, averiguação de áreas de risco, ou definição do perfil comum dos arguidos.
O terceiro e último obstáculo é que não obstante a função originária assinalada por Cunha Rodrigues de esbater a cultura de “quintinhas” e de se assumir como organismo centralizador e de coordenação da investigação criminal, o poder político não tem optado por conferir ao DCIAP os necessários poderes sobre a disponibilidade dos meios, nomeadamente o papel central na articulação entre os órgãos de polícia criminal e no dominus sobre as prioridades e timings dos processos, tantas vezes limitados pelas opções internas dos próprios OPC´s.
Em jeito de conclusão:
– As exigências da atual criminalidade exigem um DCIAP organizado, articulado, estruturado e com estratégia.
– Apenas poderá cumprir a sua missão se tiver os meios e a disponibilidade dos meios necessários.
– Não deve procurar realizar toda a justiça, mas apenas a justiça possível em tempo razoável, porque o tempo é intrínseco ao próprio conceito de justiça.
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