No Amor nos Tempos da Cólera, Jeremiah de Saint-Amour afirmou que “a velhice é um estado indecente que se devia impedir a tempo”. Betty Faria, aos 74 anos e depois de uma plástica “que deu errado”, afirmou que “se ver envelhecendo é uma merda” e acrescentou que com a plástica mal sucedida aprendeu que “a ditadura da beleza e da juventude não vem dos outros, vem de nós”.
As ciências médicas e biológicas prolongam a vida e esta condição atira-nos para um paradoxo: queremos viver mais tempo mas não queremos ser velhos. Os únicos que querem envelhecer são os doentes. Sobretudo aqueles que padecem de doença oncológica e outras que ameaçam ceifar a vida a qualquer momento.
O envelhecimento é tramado e os discursos sociais da velhice são horrendos. Refiro-me aos mais comuns, infelizmente, aqueles que se referem ao envelhecimento como um conjunto de perdas e limitações. E não estou a falar do envelhecimento já carregado de doenças. Estou a falar da vivência do envelhecimento a partir dos 50 anos, na passagem para a segunda metade da vida. Aí pelos 65 anos, começa o estigma de ser idoso, reformado, jubilado, sénior, o que quisermos chamar porque nenhum destes nomes soa bem.
Queremos viver mais tempo, mas sem envelhecer. E queremos ainda menos parecer velhos. O que queremos é ser novos para sempre.
Belas mulheres quase invisíveis
Este paradoxo tem um custo enorme, sobretudo para as mulheres. Continua a ser verdadeira a afirmação de Susan Sontag em 1975. “Um homem, inclusive um homem feio, mantém-se sexualmente elegível até ter uma idade avançada. É um parceiro aceitável para uma mulher jovem e atraente. As mulheres, tornam-se inelegíveis numa idade muito mais jovem. Assim, para a maior parte das mulheres, o envelhecimento constitui um humilhante processo de desqualificação sexual” ….”
Algures à volta dos 50 anos e, num ápice, se passa da condição de sensual e sexy, à de quase invisível. E a responsabilidade disto não é só dos homens que deixam de preferir as mulheres que entram na segunda metade da vida (para alguns, isto não é verdade, sejamos justos). Isto é protagonizado pelas próprias mulheres, que se observam umas às outras num escrutínio terrível pelos sinais do tempo e comentam as imperfeições e peculiaridades do envelhecimento como algo inaceitável (flacidez, manchas, falta de tonicidade, etc). São as próprias mulheres que consomem e comentam notícias (que nem deviam ser notícias) sobre a aparência física de outras mulheres que exibem gordura abdominal, rugas, flacidez, perda de tónus muscular entre outras perdas. Pois é, o colagénio, os estrogénios, a melanina, e outros amigos, foram-se embora para sempre. Chama-se envelhecimento, mas nada disto lhes é permitido nem “perdoado”. Que chatice, estas maldades da biologia são mesmo inadmissíveis. Sarah Jessica Parker tem sido alvo de críticas relativas à sua aparência desde que estreou And Just Like That. Porque tem rugas, porque as roupas são desadequadas, e por aí fora, enfim, o envelhecimento é desadequado e não lhe fica bem. Paulina Porizkova uma das mulheres mais bonitas do mundo e ex-top model publicou com 45 anos fotografias em biquíni e foi criticada nas redes sociais. Chamaram-na de velha e ridicularizaram a sua atitude. A Carla Isidoro escreveu tão bem sobre o conceito de idadismo, a propósito da Paulina Porizkova e sobre as atitudes que levam as mulheres a humilhar outras mulheres.
Está tudo ao contrário. É quando fica mais segura, confiante e sábia, que a mulher se torna mais invisível e menos elegível? Quando as suas qualidades e competências como mulher e potencial parceira/companheira de vida atingem o expoente máximo, é que ela se torna menos atractiva?
A vergonha e medo de envelhecer chegam a ser aterradores para algumas pessoas. Como é que vamos fazer numa sociedade cada vez mais envelhecida mas que assobia para o lado e promove o “anti-ageing”?
A impostura do anti-ageing
A passagem do tempo instala-se na nossa carne de maneira definitiva. Mas as campanhas anti-ageing querem fazer-nos acreditar que não é assim.
Sou total defensora da cosmética e da medicina estética, mas mais ainda do movimento e actividade física que promove o bem-estar. Sou defensora do prazer através do corpo, e quanto melhor o corpo estiver, mais disponível está para se encher de vida. Mas é fundamental a aceitação e adaptação ao corpo e à vida na idade mais avançada. É um facto que tem que ser encarado sem disfarces e o anti-ageing não é um elixir que resolve tudo.
A acrescentar a isto, ainda temos o desprezível idadismo. Um conceito moderno que define o preconceito e a prática discriminatória dos mais velhos (o termo é uma tradução literal da expressão inglesa ageism). Gastamos milhões na ciência médica para vivermos mais tempo, e depois desperdiçamos este tempo.
Fazemos aumentar a esperança média de vida mas descartamos cada vez mais cedo as pessoas válidas das suas funções profissionais. E assim, antes dos 50 anos o jornalista deixa de servir para a função e as empresas querem gente jovem e fresca. Quem escreveu muito bem sobre isto foi a jornalista Maria Elisa Domingues no seu livro “Confissões duma mulher madura”.
Cada vez passamos mais anos “na velhice” mas ao mesmo tempo, o que valorizamos cada vez mais, é a juventude. Isto não bate certo, e vai correr mal. Os mais “velhos” são colocados em prateleiras da dispensa e todo o seu saber acumulado perde-se para sempre. E o pior é que esses dispensados nunca aprenderam a construir e expandir a sua identidade noutras direções para além da profissão. A identidade da pessoa está colada à profissão. O que é valorizado na nossa sociedade é o trabalho. O que mais conta é o papel profissional e o papel familiar, tudo o resto importa pouco. É o senhor engenheiro pai de 3 filhos, é o senhor professor diretor de serviço de medicina, é a senhora doutora esposa do senhor professor e por aí fora. Isto no grupo educacional mais elevado, porque no mais baixo, a pessoa quase não existe. A identidade da pessoa cola-se à profissão. Quando aos 65 ou 70 anos a pessoa deixa de ser o “Senhor Professor”, o que é que é? Quem é? Por vezes, o fim da vida profissional traz sofrimento e depressão exactamente porque representa uma crise de identidade. O que é que fica da pessoa quando cessa o seu papel profissional? Esta valorização do trabalho e da família já vem de há muito tempo atrás, e até lembra o “Deus, pátria, família e trabalho” de Salazar.
A sociedade ocidental tem que rever tudo isto. É preciso resignificar o envelhecimento, em direção à dignidade, sendo um período do desenvolvimento como qualquer outro, em que é possível aprender e evoluir e fazer uso de todo o saber acumulado em benefício de si próprio e da sociedade.
O grande desafio consiste em aceitar o envelhecimento e mais tarde a proximidade da morte, sem medo, como um processo natural da vida. E nisto temos muito a aprender com as culturas orientais. Por exemplo o Japão que nutre um imenso respeito pelos mais velhos, e o Budismo que prepara o olhar para a morte com uma aceitação desmedida.
Gastam-se milhões e ganham-se milhões com a indústria do anti-ageing mas, quando é que fazemos um investimento paralelo na aceitação desta inevitabilidade biológica que tanto assusta? Como aprendemos a aceitar o envelhecimento do corpo, a tempo de salvar a relação erótica?
E na saúde sexual, como é que vamos salvar o erotismo das duas pessoas que já não são jovens mas continuam a ser sexuais? A atitude anti-ageing perpetua o modelo de sexualidade para a juventude, como se os velhos não tivessem sexualidade. É urgente não perpetuar as crenças e atitudes negativas da sexualidade no envelhecimento.
Não queremos prolongar a vida, o que queremos prolongar é a juventude. E se continuarmos a pensar assim não há toxina botulínica nem ácido hialurónico que nos valha. A medicina estética é bem-vinda e dá um contributo para o bem-estar, mas esta intervenção superficial tem que ser acompanhada por uma construção desde o interno. A autoconfiança constrói-se por dentro, nunca vem de manipulações externas renováveis a cada 3 meses. É como diz um amigo já cheio de vida, “não pode ser o anti-ageing, tem que ser um smart-ageing”.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.