A detenção de alguém que saiu do País para fugir ao cumprimento de uma pena de prisão obedece a um conjunto de procedimentos previstos, a mecanismos de cooperação judiciária e policial internacionais já estabelecidos, não sendo obra de um qualquer “salvador da pátria”.
Assim, logo que no processo existe o conhecimento de que se torna impossível a detenção de um condenado para cumprir uma pena por se encontrar ausente em paradeiro incerto, o Tribunal emite mandados de detenção europeu e internacional, sendo entregues ao Ministério Público que através da Procuradoria-Geral da República, na qualidade de autoridade central, os faz chegar à Interpol e Europol, através dos respetivos gabinete e unidade nacionais.
Em Portugal, quer a Unidade Nacional da Europol, quer o Gabinete Nacional da Interpol, fazem parte da Unidade de Cooperação Internacional inserida na estrutura interna da Polícia Judiciária.
Através destas estruturas, são acionados os mecanismos de cooperação policial internacional existentes que difundem o pedido de paradeiro e detenção pelos vários organismos nacionais da Interpol e Europol e através destes pelas polícias dos vários países.
Tais mecanismos são acionados para todos os condenados que se encontrem nas mesmas circunstâncias e não para um qualquer condenado em particular.
É o sistema de justiça a funcionar normalmente.
Vivemos num Estado de direito e não num qualquer Estado de polícia em que uma qualquer força policial anda à caça de fugitivos fora deste quadro de cooperação judiciária e policial pré-estabelecido no âmbito das várias convenções internacionais a que Portugal, isolada ou através de organismos internacionais de que é parte, como o Conselho da Europa ou a União Europeia, aderiu.
Assim que localizado o indivíduo sobre o qual recai um mandado de detenção internacional, através dos mecanismos de cooperação policial referidos, no âmbito da Convenção Europeia de extradição, de que fazem parte para além dos Estados membros do Conselho da Europa, outros Estados aderentes como é o caso de Israel, República da Coreia ou a Africa do Sul, é necessário que o Tribunal competente remeta, através da Procuradoria-Geral da República, por qualquer das vias admitidas pelo Estado requerido, designadamente por via diplomática ou através da Interpol, um pedido de detenção provisória, onde anunciará a intenção de enviar um pedido de extradição, sendo que só após esse formalismo, as autoridades policiais do Estado requerido procedem à detenção do indivíduo e se iniciará, no mesmo, o processo conducente à decisão de extradição.
A pressa em ficar com o troféu de uma detenção, dando a entender que tudo se deveu ao trabalho de apenas um órgão de policial criminal isolado, ou mesmo de uma pessoa, desenquadrado do contexto judicial e de cooperação internacional em que o foi feito ou mesmo com referências sub-reptícias a que os outros falharam e nós é que somos os bons, para além de dar lugar a aproveitamentos populistas e políticos, revela uma falta de cultura institucional que, infelizmente, em nada contribui para a credibilidade do sistema judiciário no seu todo.
É sempre fácil escondermo-nos atrás de outros quando as coisas correm menos bem e aparecer na ribalta isoladamente quando se tem um êxito.
Não pretendemos desvalorizar o trabalho que é feito pela Polícia Judiciária, no âmbito das suas competências, nem a qualidade dos seus profissionais, o que sempre temos defendido e pugnado pelo reforço dos seus meios.
Mas esta cultura policial de “caça aos louros” tão enraizada no nosso país tem criado, por vezes, algumas disfuncionalidades ao nível da investigação criminal e no âmbito daquilo que deveria ser uma cooperação leal entre os diversos órgãos de polícia criminal.
Talvez fosse mais saudável para o bom funcionamento do sistema de justiça uma cultura de estreita cooperação e solidariedade e que, mais importante que a conquista de troféus, nos concentrássemos em garantir aos cidadãos uma justiça célere, eficaz e de qualidade.
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