Depois de mais um ano de confinamento e de vidas paradas, chegou a hora de retomarmos o caminho e lançarmo-nos à estrada. Depois de todas – muitas – notícias diárias de mortes, de desgraças, de perdas disto e daquilo, mesmo que não tenhamos sido diretamente atingidos, concluo que estas pessoas somos nós. Somos todos nós. Ainda que tenhamos atravessado todos estes meses ilesos, tal é apenas aparente. Agora que a vida parece estar a regressar à normalidade, deparo-me diariamente com crianças perturbadas, jovens perdidos, adultos angustiados e velhinhos tristes. Os rostos trazem estampados uma dor indecifrável, por vezes ténue, por vezes recortada a cinzel. Fiquemos atentos: nada ficou como dantes!
O que mais me preocupa neste momento, para ser sincera consigo, caro leitor, é o estado emocional em que esta epidemia nos deixou. Para citar um amigo, de todas as doenças malditas, as doenças do foro psicológico são de longe as que mais me apavoram. Todos os dias tenho sido confrontada nas minhas aulas com ataques de choro, crises de ansiedade, sensação de apatia, desmotivação pelas tarefas, inseguranças súbitas, medos, vontade de desistir… Todas estas demonstrações emocionais têm surgido – diariamente – na aula de Português desde o início do terceiro período, muitas delas vindas de onde, pelo menos aparentemente, não existiam antes. Já nem vou referir os casos de obesidade verificados em tão poucos meses. Como é possível olhar para um aluno que regressou de casa com o dobro do peso com que lá entrou e não dizer nada? Como professora, sinto-me impotente.
Quero ajudar nestas tristezas que assolam os meus adolescentes mas temo não conseguir. Interrompo a aula, saio com a/o aluna/o, encaminho-a/o para a psicóloga (raramente disponível no dia em que dela se precisa), mando-a/o para casa, dou o meu número de telefone, mantenho o contacto por alguns dias… Porém, sei que nenhum nestes pequenos gestos atenua mais do que apenas momentaneamente a dor profunda que lhes sinto na alma.
Toda esta situação me entristece. De repente, já não há gargalhadas na escola. Ou gritos de alegria. Ou de revolta. Não há quase nada para além do silêncio que as máscaras vieram agravar. Os olhares são ausentes e os sorrisos, quando os vemos, são sorrisos tristes. Quase todos os meus alunos perderam um avô ou uma avó durante a pandemia. Há pais desempregados. Famílias sem dinheiro para alimentar os filhos. Casas em risco de serem devolvidas ao banco… Parece que os jovens estão convencidos de que o melhor ficou para trás. Perderam a rebeldia, a vontade de ousar, de gritar. Desconhecem que rumo dar à vida. Não sei como mostrar-lhes que a melhor forma de a dignificar é vivendo-a intensamente, se for possível.
Esforço-me por lhes transmitir algum alento. Repito-lhes que o verão está à porta, as aulas a chegar ao fim, os exames ficaram facilitados, o Sporting foi campeão… E falo-lhes da esperança! Ah, a esperança! A esperança de uma cadeira ao sol junto da natureza. Por constrangedoras que sejam as circunstâncias em que todos temos vivido, algo tem de ser feito com urgência pela escola e pelos nossos jovens e não me refiro a recuperar aprendizagens.
Restaram muitos motivos para sorrir e continuar.