Ao longo das últimas semanas, temos assistido a um aparente maior incumprimento face às medidas decretadas pelo governo. É frequente vermos muitas pessoas na rua, muitas lojas abertas e muitos serviços a ser prestados clandestinamente.
Mas afinal porque incumprimos tanto? Porque fomos tão ordeiros num primeiro momento e tão pouco agora? Há motivos múltiplos que, conjugados, nos levam à situação atual. Falamos concretamente da fadiga pandémica, um termo que temos ouvido nos últimos tempos e que, nos ajuda a compreender aquilo que está a ocorrer. Sou psicóloga e, como tal, o meu trabalho coloca-me em contacto direto com os sentimentos, emoções e comportamentos das pessoas.
A viragem do ano trouxe uma sobrecarga às minhas consultas, trouxe também um “peso” grande e uma sensação de desalento, de cansaço e de falta de esperança. As consultas são dominadas pelos temas pandémicos, contudo, não é o medo a estar no topo das temáticas. Esse já esteve, há um ano atrás. Neste momento, as pessoas sentem-se exaustas, com as vidas estagnadas, com um sentimento de que nada aconteceu no último ano e de que tiveram as vidas em suspenso. Agrava-se nos casos daqueles que não regressaram ao trabalho presencial, os casos daqueles que estão há um ano em casa, com grandes restrições sociais. Torna-se particularmente danoso nos casos daqueles que, tendo negócios, não os puderam reabrir.
Mas e depois? Antes em casa que no hospital, diriam muitos de nós. É verdade, mas é igualmente verdade que é este cansaço e falta de esperança que nos leva a cumprir menos, a correr mais riscos, a não ser tão ordeiros. Tudo isto, aliado ao menor medo que sentimos, pois já sabemos, em parte, como conviver com o vírus, coisa que não fazíamos ideia há um ano.
A esta altura, começamos ainda a lidar com outro problema em termos de comportamento e emoção humana – a revolta. Revolta pela privação do direito ao trabalho. Revolta porque “uns podem estar a trabalhar e outros não”. Revolta por não se ter escolhido uma profissão que possa ser feita remotamente. Revolta por termos aberto uma empresa que implica contacto físico. Revolta porque os nossos negócios começam a falir, porque temos que despedir, porque não vemos soluções… quando, supostamente, “tudo ficaria bem”. O problema é que não ficou. Pelo contrário, está pior. O esforço não compensou e dizem-nos que teremos que o continuar a fazer durante largos meses… A revolta instala-se porque só queremos poder abrir as portas dos nossos negócios e receber os nossos clientes. Porque só queremos trabalhar, uma das mais nobres pretensões… trabalhar.
Chegados a esta parte do presente texto, já se percebeu a multiplicidade de fatores que nos leva a incumprir mais. Não condeno, não é essa a minha função. A esta altura, já todos entendemos a ambivalência entre a necessidade de confinar e conter a doença e a necessidade de termos saúde mental, emprego. A escolha é difícil e mais difícil é mantermo-nos firmes o tempo todo. O grande problema é que este vírus nos ataca exatamente no momento em que vacilamos, quase como se não pudéssemos falhar, como se tivéssemos que manter a luta de forma constante. É verdade, temos que manter a luta constante. O outro problema disto é que o ser humano é exatamente isso, humano, e por isso falha e vacila. É aí que estaremos mais em risco.