1 . Uma comida que é saborosa nem sempre é saudável e uma comida que é saudável nem sempre é saborosa. Ou seja, não vale a pena transformar todos os alimentos em produtos saudáveis, reformulando ou alterando as suas características de base. Certas coisas muito saborosas, com grande personalidade, como os nossos enchidos são para se para comer muito, muito raramente. Não os estraguemos para poderem ser comidos todos os dias.
2. Nem tudo o que é tradicional é bom. Temos muita coisa tradicional que sempre nos fez mal à saúde. Porque era mal feita, porque a tecnologia existente era má e porque vivíamos até aos 50 anos e morríamos de infeção ou acidente e não do que comíamos. Hoje queremos chegar aos 80 com saúde. Hoje não temos de salgar ou fumar para conservar como fazíamos no passado. Felizmente.
3. Temos de aprender a comer novas coisas. Porque o nosso planeta encolheu para tanta gente que, entretanto, chegou. Já não podemos continuar a utilizar milhares de litros de água para produzirmos um bom bife. Isto poderá implicar fazer comida de laboratório. Que os nossos cozinheiros continuem inspirados para que ela nos saiba bem.
4. Ao contrário do que nos quiserem vender durante algum tempo, informo que há comida boa e comida má. Como existem hotéis bons e hotéis maus, que não dependem do tempo que se lá está, como a comida má não fica boa se comermos uma pequena quantidade. No lote da comida má estão a maioria das bebidas açucaradas a que chamamos refrigerantes ou os snacks fritos e salgados.
5. Não existem bons selvagens na alimentação. A maior parte de nós procura o calórico, o salgado e o doce, como o ouvido procura a música pimba se não for ensinado a gostar de música mais complexa. Entre o hambúrguer com gordura e sal e a salada ou o peixe de sabor delicado, o cérebro do ser humano escolhe sempre o que lhe dá prazer e energia mais imediatamente. O palato tem de ser educado desde muito cedo. O prazer pelas coisas mais complexas virá mais tarde. E as crianças agradecerão aos pais, certamente.
6. Não há educação possível quando o meio ambiente é adverso. Sem dar o exemplo alimentar, os pais, as escolas ou o país não vão lá. Já se tentou combater a obesidade ou a diabetes exclusivamente com a educação nos últimos 50 anos. Com enorme insucesso por este mundo fora. Portugal está a começar a atalhar caminho e a legislar na área do açúcar, do marketing alimentar para crianças ou das máquinas de venda automática nos hospitais. Um pouco menos de liberdade individual, mas mais saúde, tentando o precário equilíbrio, o equilíbrio sensato.
7. Nas universidades treina-se uma elite que pode ajudar o país a ser melhor. Treina-se também a comer mal. Investe-se em cabeças boas com corpos a caminho da doença precoce. Treina-se para o sucesso, mas não o do corpo.
8. A comida com mais qualidade e mais amiga do ambiente é geralmente mais cara. E as populações economicamente mais frágeis são já as mais doentes por causa do que comem. É importante que o discurso e as políticas públicas não aumentem as desigualdades alimentares.
9. O tempo é o fator mais decisivo para comermos bem. Tempo para comprar, tempo para escolher bem, tempo para cozinhar, tempo para estar à mesa, tempo para saborear, tempo para ensinar os filhos, tempo para reaproveitar e não deitar fora. Quem devia ser o responsável pela promoção da alimentação saudável deveriam ser, por isso, (e também) o Ministério da Economia ou da Segurança Social que regulam o nosso tempo de trabalho.
10. A alimentação saudável tem muitos, mas muitos inimigos. Como é a principal responsável por evitar o aparecimento de diversas doenças que nos consomem mais de 70% dos recursos em saúde, quem trabalha e ganha dinheiro à custa de estarmos doentes não gosta mesmo nada dela. Mas em público diz que a prevenção é importante. Por alguma razão, a alimentação saudável tem hoje pouco espaço no sistema (dito) de saúde.
* Este texto resume parte da conferência proferida a 27 de novembro de 2019 no Grémio Literário de Lisboa e na Gala da Academia Portuguesa de Gastronomia.