Fui convidada pela fundadora do projeto “Quando+1é=-1” para participar numa iniciativa de plogging* feita em parceria com o Gabinete de Planeamento, Sustentabilidade e Qualidade do ISCTE no Dia Mundial da Biodiversidade.
A iniciativa consistia na apanha de beatas e outros lixos descartáveis desde o ISCTE até ao edifício da Câmara Municipal de Lisboa (CML) em Entrecampos. Enquadrada na Semana do Mar da universidade, a ação tinha como objetivo sensibilizar a comunidade para as beatas de cigarro e plásticos descartados de forma incorreta, que, depois de apanhados durante o trajeto foram simbolicamente entregues naquele edifício da CML onde nos recebeu o Vereador da Higiene Urbana.
Segundo o medidor da Missão Beatão, apanhámos 15 litros de beatas. Ou seja, foram catadas entre 4.500 e 4.800 beatas em menos de 1 km de percurso, e muitas ficaram por apanhar já que a ação de plogging era simbólica e não exaustiva. O resultado não pode ser subestimado.
A partir deste número, o Gabinete de Sustentabilidade do ISCTE fez o cálculo do número de beatas que deverão existir no solo da capital e chegou a esta estimativa: cerca de 81.000.000 unidades. Não há #trashtag que limpe isto.
Como é que nos livramos de 81 milhões de beatas antes de irem parar ao mar e ao estômago de peixes e outros animais? Precisamos de travões que inibam as pessoas de mandar a beata para o chão. E de filtros que impeçam itens de pequena dimensão, como as beatas, de desaguar no mar porque foram atirados para uma sarjeta ou despejados pela sanita contaminando as linhas de água, as areias, os solos, a fauna e flora com substâncias cancerígenas associadas à queima do cigarro: arsénio, alcatrão, acetona, entre outras “pérolas”.
Segundo dados da OMS, em Portugal há 20% de fumadores acima dos 15 anos de idade. Portanto, para a maioria ou parte desta população será normal o comportamento de deitar a beata para o chão, já que outro não lhe foi ensinado. É certo que compete a cada pessoa ter um comportamento cívico em
sociedade, mas os municípios e o governo têm a obrigação de ensinar e fazer pedagogia para a mudança de comportamentos. Sou a favor da aplicação de coimas a quem deita fora indevidamente as beatas, mas é preciso repensar o circuito das papeleiras nas cidades, estudar o comportamento das pessoas fumadoras, e aplicar estratégias adequadas a cada realidade. Existem milhares de papeleiras em Lisboa, e nas outras cidades do país, onde os fumadores podem apagar os cigarros e deitar a beata para dentro da papeleira em vez de ser atirada para o chão. Mas de que servem as papeleiras se a ação automática do fumador é descartar a beata no momento em que quer livrar-se dela, esteja onde estiver?
É com coimas que vamos travar esta ação? É, porque temos de atuar imediatamente. Não podemos continuar a caminhar sobre milhões de beatas e permitir que estas intoxiquem o sistema aquático e outros seres vivos. De todo o lixo apanhado nas costas e praias, as beatas são o item que mais se encontra e o mais contaminante.
A literacia ambiental e a educação cívica têm de ser implementadas de forma eficaz, e repetida no tempo, para que os fumadores deixem de contaminar o meio ambiente e o espaço público como se estes fossem propriedade privada.
Sonho com o dia em que deitar beatas para o chão ou apagá-las indevidamente seja visto pela população como um comportamento tão sujo como cuspir para o chão ou urinar na rua, mas nenhum destes comportamentos é punido. Singapura é um exemplo de cidade limpa e saudável, mas para chegar a referência global neste âmbito implementou coimas pesadas a quem suja o espaço público. Lisboa está suja e nos últimos anos a sujidade e o lixo a esvoaçar nas ruas aumentou a olhos vistos. Venham as novas medidas de fiscalização, penalização e responsabilização dos produtores e fumadores prevaricadores, o envolvimento do público e do privado na limpeza e manutenção da via pública, e acima de tudo ensine-se a população acerca dos riscos da contaminação por beatas na cadeia alimentar, nos solos, nas águas e nos ecossistemas. O chão não pode ser o cinzeiro mais à mão.
*Plogging é uma ação que conjuga o jogging (corrida) com catar lixo do espaço público, durante a qual a pessoa corre e faz agachamentos para catar e limpar o ambiente.