Estamos a poucos dias do início do ano lectivo. Desejamos que o arranque não seja condicionado pelas vicissitudes dos anteriores apesar da melhoria já verificada no ano passado, atrasos na colocação de professores, de funcionários e técnicos. É importante que tudo decorra com “normalidade”, uma palavra já gasta mas útil.
Muito provavelmente e ainda bem que assim é, a grande maioria das crianças que vai iniciar a escolaridade obrigatória já passou pela experiência da educação pré-escolar que apesar de alguns equívocos não deve ser encarada como a “preparação” para a escola mas como uma etapa educativa com valor e função próprias.
No entanto, a “entrada” na escola, a entrada no processo formal de escolarização é e sempre será em modelos de escolarização desta natureza uma experiência tremendamente importante e capaz de marcar de forma muito positiva ou muito negativa todo o trajecto educativo posterior.
Todos temos episódios e situações no nosso trajecto de vida que correram menos positivamente e que, de várias formas procuramos refazer, reconstruir, fazer diferente, etc., tentando que corra melhor.
Acontece que o início da escolaridade, apesar das experiências anteriores, proporciona um enorme conjunto de “novidades” e de circunstâncias que poderemos dizer ser irreversíveis. Dito de outra maneira, se a “entrada” na escola “correr mal” não é possível voltar atrás para refazer o processo e esperar que desta vez corra bem, o que aconteceu já marcou o trajecto escolar apesar de tudo o que ainda está pela frente e pode ajudar a recuperar.
Torna-se, pois, muito importante que este período seja estruturado e intencional, que ajudemos as crianças a estabelecer as rotinas ajustadas, sim as rotinas são uma ferramenta essencial de organização para as crianças. É importante que se expressem expectativas positivas facilitadoras da adaptação e confiança de crianças e pais que são imprescindíveis para a aprendizagem e para o desenvolvimento.
Não podemos esquecer que à entrada na escola as crianças, todas as crianças, carregam uma “circunstância” como diria Ortega y Gasset. Pelas mais diversas razões, contexto e clima familiar, trajecto educativo anterior, atributos individuais, etc., todas as crianças são diferentes. Aliás, a diversidade entre os alunos é a mais evidente característica de qualquer sala de aula em qualquer ano de escolaridade.
Esta diversidade solicita que desde o início se tente definir uma atenção e respostas diferenciadas, o que não é sinónimo de individualizadas, e que não se promova uma cultura ainda presente em alguns discursos e práticas traduzida na ideia de que todos devem ser tratados da mesma maneira. É curioso que quando pergunto a pais que têm mais de um filho se os tratam da mesma maneira respondem sem hesitações e convictamente que não porque eles são diferentes. Alguns acrescentam de forma generosa e ingénua que apesar de os tratarem de forma diferente, gostam de todos da mesma maneira.
Por outro lado, tenho insistido para que antes de procurar que os alunos comecem de imediato a aprender as “coisas da escola” me parece interessante dedicar algum tempo, oportunidade e espaço para que “aprendam a escola”, a sala de aula, as suas rotinas, a sua organização, o seu clima e comunicação, etc. Depois, com maior serenidade, confiança e disponibilidade aprenderão as coisas da escola.
É uma tarefa de todos, designadamente de professores e pais mas também e de forma muito significativa dos auxiliares de educação tentar que os próximos dias sejam os primeiros de muitos dias que apesar dos naturais sobressaltos componham um percurso escolar positivo para todas, insisto para todas, as crianças.
Muitas das crianças que agora vão iniciar a escolaridade virão a ser, desculpem o excesso, “intoxicados” com escola, imensas horas por dia na escola. Para muitos, demasiados, começa o tempo em que acabou a brincadeira, é o tempo da escola “a sério”. Vão desaprender de brincar, a coisa mais séria que sempre fizeram e em que envolvem tudo o que são. Algumas vão correr o risco de desaprender o riso de tanto terem de aprender coisas outras. Também muitas crianças já sentem e vai acentuar-se a pressão para que sejam excelentes, só assim terão sucesso. Irão ser solicitadas para que adquirir inúmeras competências de inúmeras áreas tornando-se uma espécie de crianças-agenda saltando de actividade para actividade. Este cenário é, consciente ou inconscientemente, desenhado a pensar no tempo futuro, curiosamente sem dar a atenção devida à qualidade do tempo presente
Alguns dos que agora vão começar irão, certamente, encontrar tempos em que se sentem sós e perdidos com um mundo demasiado grande pela frente. Poderão alguns sentir uma dor branda, “na alma” como me dizia um adolescente. Esta dor faz parte do crescer mas nem sempre passa com o crescer.
É fundamental que estejamos atentos e comuniquemos. Começa aqui qualquer tipo de ajuda ou apoio, atenção e comunicação.
No entanto e para além destas inquietações, sei que a grande maioria dos alunos que agora irão começar o seu trajecto escolar se irá sentir e sair bem, por dentro e por fora apesar dos sobressaltos e das dificuldades que a aprendizagem e o desenvolvimento sempre colocam.
Como algumas vezes afirmo e ainda que pareça um pouco estranho, gostava que à generalidade dos alunos que vão começar a “escola”, tal como aos outros que já a cumprem, lhes apetecesse “fugir para a escola” e que nós possamos ser capazes de lhes dizer “Cresçam devagarinho, não tenham pressa”.
É que depressa e bem, não há quem, como se costuma dizer.
Bom trabalho para todos.