O que são “cérebros”? O estereótipo indica-nos que se tratam de profissionais altamente qualificados e normalmente especializados. Têm como base um sólido percurso académico, não se ficando pela licenciatura e seguindo para níveis de mestrado, MBA, doutoramento e pós-doutoramento. Exactamente por serem quase sempre óptimos alunos, são convidados pelos professores a integrar, deste cedo, áreas de investigação e a dar aulas. Mas também os há, e muitos, no mundo corporativo e cada vez mais no mundo do empreendedorismo.
Com o número de doutorados a aumentar tornou-se inevitável a internacionalização. Mas essa não é a única razão para a tão famosa “fuga de cérebros” que se assiste em Portugal há vários anos. Outros factores que contribuem são: i) o limite de vagas em universidades portuguesas (o que leva os alunos a enveredarem pela carreira científica noutras universidades); ii) o elevado nível de especialização (também os leva a procurar centros de conhecimento das suas áreas de investigação); iii) e, como é óbvio, os recursos financeiros também são fundamentais, pelo que é importante estar em países onde a investigação é apoiada financeiramente quer por entidades públicas, quer privadas. Mas, o problema não está na saída, está sim na falta de capacidade que temos em atrair o mesmo volume de talento.
O talento à nossa porta
Na última semana de 2016 tive oportunidade de falar para mais de 150 “cérebros”, aquando orador no 5º Fórum do GRAPE (Graduados Portugueses no Estrangeiro). Este é um movimento associativo que resulta da vontade de quatro associações de estudantes portugueses. Foi muito interessante verificar o crescimento e a dimensão deste movimento estudantil, que surgiu pela base, ou seja, não foi imposto por um qualquer País ou organização, mas sim porque os estudantes se juntaram. No próximo ano já existirá uma quinta associação que representará os estudantes da Bélgica e Luxemburgo, mas o GRAPE deste ano contou na organização com membros da:
- PAPS (Portuguese American Postgraduate Society) nos EUA e Canadá: é a maior associação, contando com mais 2000 membros espalhados por 15 núcleos em diferentes cidades
- PARSUK (Portuguese Association of Researchers and Students in the United Kingdom): com 1330 membros.
- AGRAFr (Association des Diplômés Portugais en France): com 400 associados.
- ASPPA (Associação de Pós-Graduados Portugueses na Alemanha): contabiliza 122 membros.
Um dos temas a debate foi o futuro do mercado de trabalho. Foi particularmente interessante perceber que existem vários doutorados interessados em ingressar no mundo corporativo, e que existem já algumas empresas portuguesas a recorrer a esta pole de talento para fazer face aos novos desafios (a função de Data Scientist é um óptimo exemplo). Uma das empresas é a Feedzai, que também estava representada no Fórum, e que, inclusivamente, teve oportunidade de deixar a mensagem que para além de já ter recrutado vários Phds pretende continuar a fazê-lo durante este ano pois vão ter mais de cem posições em aberto.
Olhando para o panorama nacional, e tal como a Feedzai, existem outras empresas portuguesas que têm na sua equipa de fundadores doutorados. Uma das mais conhecidas será a Critical Software e uma das mais recentes a Aptóide, são exemplos disso. Estas empresas ajudam a quebrar o preconceito de que os que enveredam pela carreira académica estão condenados a não poderem sair da mesma, sendo-lhes vedado o acesso ao mundo corporativo ou do empreendedorismo.
Mas o que é verdadeiramente importante realçar é o potencial de talento que esteve presente neste fórum e acima de tudo o talento que está na base de organizações como as que compõem o GRAPE. As empresas portuguesas deveriam rapidamente encontrar forma de ir ao encontro de todo este talento e perceber como atraí-lo. Até porque as universidades têm vagas limitadas, logo restam duas alternativas: os que saem da carreira académica e criam a sua própria empresa ou os que são atraídos por empresas.
É aqui que afirmo: O talento está à nossa porta, querem convidá-lo a entrar?
As empresas têm de saber aproveitar e potenciar as capacidades destas pessoas. Deverá ser feito um trabalho junto desta e de outras comunidades de forma a não se perder a ligação a estes portugueses. Contudo, também defendo que há muito mais para além da geografia ou nacionalidade, logo as empresas portuguesas, sobretudo as mais tecnológicas, não se devem limitar aos “cérebros” portugueses mas tentar atrair as pessoas mais competentes e mais adequadas, independentemente do País onde de localizam. A meritocracia será sempre a melhor forma de recrutamento e promoção.
Da Academia para o Mercado de Trabalho
Podem existir vários obstáculos numa mudança de carreira, mas talvez o mais evidente, quando se troca a academia pela empresa, seja a diversidade. Não tanto a diversidade de temas, mas sobretudo a diversidade de pessoas e experiências. Na academia estão habituados a trabalhar com pessoas semelhantes ao nível do background académico. Certamente diferentes culturalmente, mas muito alinhados na forma e conteúdo de trabalho. Numa empresa isso normalmente não acontece. Por isso, as funções que muitos académicos procuram, ou são atraídos, numa primeira transição estão ao nível de Research & Development e consultoria. Estes dois ambientes são de facto propensos ao seu perfil pois não só valorizam o seu conhecimento como têm muitas semelhanças na forma de trabalhar. A outra função que referi anteriormente, Data Scientist, é normalmente desempenhada por pessoas que têm experiência em tratar muita informação e traduzi-la para uma linguagem perceptível e de gestão, logo por pessoas com enorme capacidade analítica. Tipicamente estas são competências que os doutorados possuem.
Sectorialmente, os Phds a têm-se candidatado a empresas na área da saúde, ciência, tecnologia ou engenharias. Há, inclusivamente, universidades que já têm programas de inserção na vida empresarial e que passam por: i) colocar estudantes de doutoramento em conferências do mundo corporativo; ii) pela criação de grupos de empreendedorismo; iii) organização de Meetups; iv) estabelecer uma presença on-line que os ajude a divulgar o seu trabalho.
Há ainda muitos doutorados que recorrem à “zona mista” numa fase em que querem efectuar a passagem, ou seja, vão tirar um MBA. Esta opção permite-lhes manterem-se na academia, mas numa total imersão no mundo dos negócios, o que acaba por facilitar a sua transicção.
Independentemente da forma como se faz a passagem é importante perceber as competências que normalmente se desenvolvem ao longo da carreira académica e que são valorizadas pelas empresas. Estas competências são o melhor passaporte para esta viagem e passam por: capacidade de resolução de problemas complexos; gestão de projectos; capacidade analítica; capacidade de raciocínio crítico; inovação; capacidade de comunicação; planeamento; foco; autonomia.
Fica a mensagem: existe talento que está à nossa porta, vamos convidá-lo a entrar!
* (O autor escreveu este texto com base na ortografia antiga)