Já aqui uma vez escrevi sobre o tema. Regresso a esta discussão sobre os “natalistas”, aqueles que defendem políticas de apoio à procriação, por causa da entrevista de Joaquim Azevedo ao
Público.
O professor da Universidade Católica do Porto foi secretário de Estado do segundo governo de maioria absoluta de Cavaco Silva. Atualmente é diretor do Centro de Estudos em Desenvolvimento Humano da Faculdade de Educação e Psicologia da mesma universidade e a sua área de interesse é o abandono escolar, a aprendizagem ao longo da vida e o ensino técnico-profissional.
Durante o congresso do PSD em fevereiro, no Coliseu de Lisboa, Pedro Passos Coelho surpreendeu a Alemanha, a Europa e Portugal – a ordem de prioridades geográficas do primeiro-ministro – ao dar conta da sua preocupação em relação à quebra da natalidade entre os autóctones. De seguida, informou-nos que Joaquim Azevedo iria presidir a uma comissão para analisar este rebelde problema de não termos o número de filhos que o Governo quer. Soubemos ontem, através da referida entrevista ao Público, que o trabalho será feito para o Instituto Francisco Sá Carneiro – trata-se, portanto, de uma encomenda partidária, como partidário foi o seu anúncio.
Acho muito bem que os partidos estejam preparados para os desafios da sociedade contemporânea, sobretudo se estão há tanto tempo no poder – no caso do PSD, há 21 anos, desde 1976. Mas intriga-me que equacionem as questões tão tardiamente – afinal, desde meados da década de 1980 que o número de filhos que temos é insuficiente para substituir uma geração por outra. O PSD está atrasado 30 anos.
Mas há algum alarme a tocar?
A questão da diminuição da fecundidade é transversal a todos os países desenvolvidos. Dos fiordes da Noruega aos olivais espanhóis, das margens do Adriático aos canais de Amesterdão, mas também nos EUA, no Canadá e no Japão, o número médio de filhos por mulher está a diminuir. Essa quebra prende-se com fatores estruturais e civilizacionais, que mudaram o modo de encarar a descendência. Na verdade, as mulheres deixaram de ter uma vida de filhos para passarem a ter filhos na sua vida. Os níveis de fecundidade dos nossos pais ou dos nossos avós são uma miragem que não deslumbra as atuais gerações.
Esta diminuição generalizada é mais acentuada em certos países do que noutros. Em Portugal, foi forte e rápida – passámos de um dos países com mais elevada fecundidade, nos anos 1960-70, para um dos que a tem mais baixa. Este fenómeno ocorreu em paralelo com a forte integração das mulheres no mercado de trabalho, sobretudo no setor dos serviços, onde são exigidas qualificações superiores. Porque têm de estudar, as mulheres só têm condições para ter filhos mais tarde -por volta dos 30 anos, atualmente. Mas quando finalmente há condições para os ter debatem-se com situações de precariedade ou de discriminação do mercado de trabalho que as impedem de os ter.
Como o Estado nada tem a ver com o número de filhos que temos – essa é uma decisão dos indivíduos, faz parte da sua esfera de liberdade e de intimidade -, não lhes resta senão criar condições para que tenhamos os que desejamos. Para tal, as mulheres devem ser tratadas e percecionadas como iguais no mercado de trabalho. Por exemplo, a “desfeminização” da parentalidade – hoje quer os homens quer as mulheres podem tirar licenças para cuidar dos filhos menores – foi um passo essencial para a igualdade das mulheres no trabalho. Muitos outros serão necessários. Quais?
Todos os que não passem por soluções do tipo “o meu filho é uma parceria público privada”. O Estado não deve discriminar positiva ou negativamente os que têm descendências maiores ou menores, fazendo uma espécie de contrato de financiamento entre a República e os cidadãos. Passou o tempo de termos de fornecer varões saudáveis à nação. Na verdade, no campo da fiscalidade e dos apoios sociais, o Estado deve discriminar os agregados maiores, qualquer que seja a natureza das relações dos que os compõem.
A questão de os portugueses terem o número desejado de filhos prende-se, então, com a existência de empregos e de igualdade de tratamento no mercado de trabalho. A Suécia, que compreendeu esse fenómeno nos anos 70, conduziu todas as suas políticas públicas nesse sentido, tendo obtido resultados satisfatórios: a fecundidade atual no país é de 1,9 filhos por mulher. E esta é uma das sociedades onde a participação laboral das mulheres é mais intensa – cerca de 60% estão no mercado de trabalho.
Na Suécia, portanto, as mulheres não têm de ficar em casa para ter filhos. Trabalham e procriam – o Estado apenas se preocupou em as tornar “iguais” aos homens. Assim, tanto faz contratar um homem como uma mulher, pois ambos têm a possibilidade de vir a ser vistos como “pais” – não é o género que os distingue face aos empregadores.
Espero que as propostas de Joaquim Azevedo não releguem as mulheres para o papel tradicional de breeders – elas, nós e a nossa civilização merecem mais e melhor do que o b-a-ba dos “natalistas”.