Tenho diante de mim, na mesa em que trabalho, três pequenas estatuetas em madeira e fibras vegetais, representando dançarinos mascarados. No Nordeste de Angola, dançarinos reais, muito semelhantes a estes, são conhecidos como muquixes. As três estatuetas (uma das quais perdeu a cabeça) foram-me oferecidas por um vampiro alemão, em Berlim, na virada do século.
Passei o ano 2000 na capital alemã, graças a uma bolsa de criação literária. Certa noite, a minha mulher sentiu-se indisposta. Era um domingo de inverno. Lá fora, um vento glacial golpeava as árvores e as casas. O nosso filho de 4 anos dormia no seu quarto. Sair àquela hora, em tais circunstâncias, em busca de uma clínica ou de um hospital, pareceu-me uma loucura. Procurei na lista telefónica o número de um médico, liguei para ele e, meia hora depois, soou a campainha. O médico era um homem muito pálido, com os olhos esquivos de um seminarista. O cabelo grisalho, já um pouco ralo, caía-lhe sem alento pelos ombros frágeis. Entrou, estendeu-me uma mão frouxa e gelada e apresentou-se. Hans, creio que se chamava Hans. Lembro-me de pensar que se fosse uma personagem minha, de um conto ou de um romance, teria dificuldade em atribuir-lhe um nome.