Luisa Todi, lembram-se deste nome? Nasceu em Setúbal em 1753. Chamava-se Luisa Rosa de Aguiar e era filha do célebre Aguiar, mestre de música, e irmã da não menos célebre Cecília Rosa, atriz dos velhos teatros do Bairro Alto. Luisa tinha apenas 16 anos quando casou com o violinista italiano Todi, que tocava nos teatros de Lisboa. Aos 17, estreou-se em pequenos papeis, também nos teatros do Bairro Alto.
Depois andou por Madrid e Paris, distinguindo-se, especialmente, nos “concertos espirituais” que animavam a capital francesa daquele tempo. Foi aclamada em Turim, com “ovações frementes“, e esteve na Rússia onde a czarina Catarina II a cobriu de elogios e de joias. Voltou a passar por Paris e veio ao Porto onde esteve de 1771 a 1777.
Foi seguidamente a Nápoles e voltou a Lisboa, para atuar na Casa Pia, a convite do intendente Pina Manique, na oratória “La preghiera exaudita” para assinalar o nascimento (1793) da infanta D. Maria Teresa, primeira filha do rei D. João VI.
Em 1803 estava novamente no Porto onde lhe morreu o marido. Vivia então na rua Chã, a antiga rua Chã das Eiras. Estava em sua casa quando, no dia 29 de março de 1809, os soldados franceses comandados pelo general Soult entraram no Porto, na que ficou conhecida pela segunda invasão francesa.
O que aconteceu a seguir é do conhecimento geral: espavoridos, com a chegada dos franceses, os portuenses tentaram fugir para Gaia, no outro lado do rio, utilizando a velhinha ponte das barcas. E a Luisa Todi, que tem ela a ver com tudo isso – pergunta o leitor e com toda a legitimidade. Pois, a Luisa Todi era uma dos milhares de pessoas que naquela invernosa manhã de 29 de março de 1809 corriam para a margem direita do rio Douro a tentar passar para o outro lado.
Quando chegou à Ribeira, com os filhos agarrados às suas saias, duas trouxas com roupas e um lenço atado nas pontas onde metera as joias e o dinheiro que tinha em casa, dirigiu-se a um barqueiro a quem pediu que a levasse mais aos filhos para a outra banda oferecendo-lhe em troca as joias e o dinheiro que atara no lenço.
A tentativa de embarque tornou-se difícil, por causa do movimento das pessoas e da ondulação das águas do rio. Luisa Todi chegou a cair ao rio quando tentava alcançar a pequena embarcação.
Entretanto uma bala cruzada atingira de raspão o joelho de Maria Ana, a filha mais velha da atriz. A situação era desesperada e mais se complicou quando se ouviu gritar que a cavalaria francesa chegara ao cais. É nesse momento que acontece o imprevisto: um garboso oficial francês tenta aperceber-se da situação do alto da sua montada e descobre entre a multidão a figura elegante de Luisa Todi que conhecera, como atriz, em Paris. Dirige-se-lhe e ela fala com ele em francês. Que nada receasse, porque nada de mal lhe iria acontecer – disse-lhe, amavelmente, o cavaleiro francês. E convidou a acompanhá–lo .
Quando Luisa Todi, com a filha mais velha ao colo, e os outros, atrás dela, subiam a rua dos Mercadores ouviu-se um enorme clamor. Fora a ponte das barcas que ruíra parcialmente ao peso das pessoas que a tentavam, em vão, atravessar. Foi uma tragédia que ainda hoje é conhecida pelo “desastre da ponte das barcas”. Morreram milhares de pessoas. Um baixo-relevo em bronze, da autoria do escultor Teixeira Lopes (filho) evoca a tragédia junto ao muro da Ribeira portuense. São as alminhas da ponte.