Divulgado a 13 de fevereiro, o relatório sobre os abusos sexuais na Igreja originou uma onda de choque, mas, com honestidade, não é possível dizer que tenha surpreendido: os resultados do estudo, os testemunhos das vítimas e a monstruosidade dos crimes praticados, transmitidos ad nauseam nos diretos televisivos daquela manhã, apenas confirmaram histórias e episódios, murmurados durante décadas, que ainda permanecem presentes na nossa memória coletiva. Agora, quase três semanas após a divulgação das conclusões da comissão independente, também não é possível dizer que a reação da Igreja tenha surpreendido: todos conhecemos aquela instituição, que, na encruzilhada, prefere encobrir a verdade e refugiar-se na autoridade para defender o seu poder.
O tempo da notícia não é, já o sabemos, o tempo das instituições – e, de resto, a Igreja não é a única instituição às voltas com a gestão do turbilhão mediático deste tempo em que vivemos. Mais: num País que já demonstrou, por diversas vezes, ser incapaz de proteger os mais pobres, exige-se contenção, aos líderes políticos, aos jornalistas e a todos os cidadãos em geral (lembro a forma desastrosa como foi gerido o processo Casa Pia). A Igreja Católica tem um papel muito relevante na assistência aos mais frágeis e só por hipocrisia esse trabalho pode, neste momento, ser esquecido. Ao contrário do que dizia a propaganda do Estado Novo, Portugal nunca foi um País de brandos costumes e, à beira que estamos de celebrar os 50 anos do 25 de Abril, convém recordar que são de “ontem” as ligações perigosas entre a Igreja e a ditadura. Mas também não nos enaltece o tom jacobino com que, agora, alguns parecem querer pôr os “padres pedófilos” no Campo Pequeno, seguindo o ímpeto revolucionário de Otelo nos idos de 1975.