A ida à bomba para atestar o carro tornou-se um ritual de irritação – quando se tenta antecipar a subida do preço – ou de depressão – quando lá chegamos já com a tarifa que nos brinda à segunda-feira. Depois da pedrada da semana passada, hoje temos mais uma: 16 cêntimos por litro de gasóleo e de 11 cêntimos por litro de gasolina. Mas atenção, que o nosso governo não anda a dormir e vem em nosso auxílio: é que hoje entra em vigor a mais recente medida para mitigar estes aumentos, aquela coisa estranha chamada de devolução dos potenciais aumentos da receita fiscal em sede de IVA, por via da redução do ISP. Confuso? Calma, que ainda só começámos.
Como, no que toca a combustíveis, o governo não tem exatamente um track-record de cumprir o que diz (lembre-se a subida dos impostos quando o preço do barril de petróleo estava baixo, e que depois desceria…), a malta desconfia. De tal maneira que o executivo anunciou, com pompa e circunstância, que ia divulgar publicamente a fórmula com base na qual seria calculada esta grande benesse aos condutores. Passo a enunciá-la, agora com a apresentação saída na portaria de sexta-feira:
Ficou claro?
Pois. O que fica claro é um princípio que nunca deixou de ser certeiro: quando a explicação para uma medida se esconde numa coisa que ninguém entende, é porque, na verdade, a medida não é grande coisa, nem resolve coisa alguma.
António Costa encolhe os ombros e diz que a União Europeia tem de autorizar uma descida do IVA sobre os combustíveis. Entretanto, outros países desceram temporariamente o ISP, enquanto nós brincamos aos autovauchers e às fórmulas mágicas. O resultado desta excelente medida? Os preços sobem 13,6 cêntimos no gasóleo (ou seja, os 16 cêntimos deduzidos da redução de 2,4 cêntimos no ISP) e 9,3 cêntimos na gasolina (11 cêntimos deduzido da redução de 1,7 cêntimos no ISP).
Já o professor Paulo Trigo Pereira, falando ontem à noite na SIC Notícias, avançou contas que mostram que Portugal podia baixar o ISP em 15 cêntimos, durante três meses, sem perda de receita face ao que tinha. Em suma: o Estado continua a querer ganhar mais, não se contentando em ganhar o mesmo, suportando uma parte realmente substancial dos aumentos do custo das matérias-primas.
Mas se este é o primeiro e forte embate económico desta invasão à Ucrânia, está longe de ser o mais importante. O pior, tal como na guerra, ainda está por vir.
Os custos da energia fazem subir o preço de tudo, porque é preciso energia para produzir tudo e para distribuir tudo o que foi produzido. Por outro lado, o corte de exportações de fertilizantes russos também ameaça a qualidade e quantidade das colheitas na Europa, incluindo Portugal. E, como em todas as guerras e todas as crises, quem mais sofre são sempre os mais pobres. Os que não podem pagar os aumentos dos preços e aqueles que correm o risco de ficar mesmo sem comida.
A Rússia e a Ucrânia são a origem de mais de uma em cada dez calorias negociadas internacionalmente. São grandes celeiros para a Europa e não só, e a falha nas colheitas e nas exportações vai fazer subir os preços dos alimentos-base, que já estavam em máximos históricos. Segundo as Nações Unidas, os preços podem subir mais 22% e provocar escassez alimentar em milhões de pessoas. O cenário mais conservador aponta para oito milhões de pessoas a passar fome; num cenário mais extremo, o número ultrapassa os 13 milhões.
Por isso, quando for atestar o automóvel, não pense tanto na taxa e tente arreganhar a tacha, ainda que num sorriso amarelo. Ainda não estamos a sentir o verdadeiro custo económico da guerra e estamos, ainda assim, bem mais protegidos do que as principais vítimas desta guerra insana.