Querida avó,
Como sabes, hoje é dia do meu aniversário.
Mas não vou estar aqui a falar de mim, nem da contagem decrescente que hoje começa para o meu meio século.
Vou falar de alguém que faz anos esta semana e de quem ambos gostamos muito: Joana Vasconcelos.
Gosto imenso do trabalho dela!
Somos praticamente da mesma idade. Para teres uma ideia, comecei a admirá-la ainda ela andava na António Arroio, imagina.
Ainda há pouco tempo comentava com ela que me recordo de a ver numa reportagem sobre jovens promissores. Nessa reportagem, a Joana estava num campo de futebol e, pasma-te, tinha feito uma baliza em croché, claro. Conquistou-me de imediato. Senti que era alguém que ia voar bem alto. Hoje, quando olho para a obra da Joana, vejo que a minha intuição estava correta.
Em 1996 a Joana fez uma peça a que chamou Flores do meu desejo. A peça foi feita com dezenas de… espanadores lilases. Recordo-me de a ver a falar da peça, e a comentar que não foi fácil chegar a casa e convencer o pai, o teu amigo Luís Vasconcelos, a financiar os ditos espanadores. A Joana baptizou-o de “paitrocínio”. Abençoado fotógrafo que patrocinou a filha no início da carreira.
Não sei se já comentei contigo, mas a Joana “já me levou” a Serralves, Gulbenkian, CCB, Palácio Nacional da Ajuda, Versailles … e a Bilbau, ao Guggenheim, onde fui passar o meu aniversário há três anos.
“Levou-me”, salvo seja! A obra dela é que me levou a todos estes locais.
Pareço os fãs do Tony Carreira (nada contra) que o seguem para todo o lado.
Tenho uma profunda admiração pelo trabalho da Joana onde é espelhado o orgulho de ser português, as suas tradições, do saber fazer, nas heranças que não podem ser esquecidas.
Sabes que ideias não me faltam. Desafiei a Joana a criarmos um projeto para ajudar uma Casa muito querida por todos nós.
Poucos sabem que és uma máquina a fazer tricot, que a Simone de Oliveira adora fazer renda… Imagina as minhas ideias, as obras da Joana, e tu, a Simone, a Manuela Maria, o Joaquim Monchique, a Ana Bola e tantos outros a dar o seu contributo para o que tenho em mente…
Tal como eu, a Joana também é escorpião. Se um incomoda muita gente…
Há uns anos, a Joana lançou um belíssimo livro com mais de 300 páginas onde condensa 15 anos de trabalho.
Acreditas que o livro está na minha lista de presentes de aniversário há anos… e ainda ninguém se chegou à frente para me oferecer?
Bom, por falar em heranças, não te esqueças que me prometeste as peças da Rosa Ramalho e da Júlia Ramalho.
Agora vou comemorar o meu aniversário, pois a minha vida não é só isto.
Bjs e bom fim de semana.
Querido neto,
Comecemos já pelas heranças: assim que quiseres vai a minha casa e leva as Rosas e Júlias Ramalho que quiseres. Como viste, as minhas prateleiras estão todas a abarrotar de obras de ambas, sobretudo da Rosa (mas não leves o presépio, que faz parte da minha coleção…)!
A Rosa Ramalho gostava muito de mim, a quem sempre chamou ”menina”. E eu dela, claro. Nunca falhei uma ida à Feira do Artesanato de Cascais onde ela estava sempre.
E um dia lembrei-me de ir vê-la mesmo à terra dela. O meu marido e eu enfiámo-nos no carro e lá fomos até Barcelos. Andei por ali um bocado à nora até que alguém nos ensinou o caminho que ia dar à casa dela, numa aldeia chamada Galegos de São Martinho.
Ela ficou muito contente de nos ver, eu fiz-lhe uma entrevista e, no fim, ela começou a encher o meu saco de bonecos. Eu estava a ver que me ia arruinar – mas era por uma boa causa.. Quando lhe perguntei o preço de tudo, ela só me deixou pagar um boneco – o resto era oferta.
Então eu aproveitei e perguntei-lhe se ela não queria ir a minha casa, em Lisboa.
Havias de a ver na minha casa… Muito pequenina e sempre vestida da mesma maneira – saia, blusa, xaile e um lenço preto amarrado no alto da cabeça, andava pelos quartos todos e só dizia “parece a casa de um conde!”
E quando eu a ia ver às feiras do artesanato, ela gabava-se sempre, ”já estive em casa dela, é melhor que a casa de um conde!”
A minha relação com a Joana Vasconcelos é muito diferente. Era (e sou) muito amiga do pai – um dos grandes fotógrafos portugueses. Mas ainda não a conheci. Tens que tratar disso!
Gosto muito da obra dela pela imaginação e pela criatividade: ela usa os mais inenarráveis objetos para fazer as suas obras— tachos, louça, tampões, sei lá que mais. Mas também a admiro muito porque ela dá trabalho a muita gente, e não deixa morrer as memórias de Portugal, e isso raramente acontece com os artistas.
(Ah, e parabéns!)
Bjs
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