Para quem olhe para o Orçamento do Estado a partir de uma perspetiva mais liberal, é difícil disfarçar o desencanto. O documento tem, é preciso reconhecê-lo, alguns méritos. O primeiro é o de ter subjacente um esforço de consolidação das contas públicas com um regresso a um deficit de 3,2 por cento. Num País com uma dívida pública que continuará na casa dos 123% do PIB no final de 2022 e num contexto de previsível aumento das taxas de juro a médio prazo, outra estratégia seria, aliás, suicida. O segundo é o de promover um crescimento significativo do investimento público, embora, todos o saibamos, este aconteça mais por obra e graça da generosidade dos contribuintes do norte da Europa do que por qualquer real capacidade que tenhamos para o promover de forma autónoma.
Mas este é também um orçamento em que, apesar de um crescimento de 5,5% do PIB (mais do que natural no atual contexto de pós-recessão), e em que se estima que este regresse aos níveis de pré-pandemia, quer a dívida pública, quer as despesas públicas se manterão em níveis significativamente superiores aos de 2019, mesmo quando medidas em percentagem do produto. Ou seja, este é um orçamento que traduz um peso crescente do Estado na economia quando comparado com o antigo “normal” pré-Covid, sendo que todos sabemos (ou teríamos obrigação de saber) aonde nos tem trazido este modelo de estatização da economia.
Tudo visto e ponderado, o chumbo do orçamento à direita é não apenas natural e coerente como a única opção que resta ao PSD depois das declarações de António Costa em vésperas das discussões orçamentais de 2021.
O que já se me afigura muito difícil é o PCP e o Bloco conseguirem sustentar que este é um orçamento muito pior do que todos quantos viabilizaram ao longo dos últimos anos. De facto, visto a partir da esquerda, este é um orçamento com mais despesa do que no período pré-pandemia, com mais investimento público, com um aumento da massa salarial na Função Pública de 3,1% (e de 2,5% do seu salário médio), com o tão desejado (quanto ridículo) englobamento dos ganhos ditos “especulativos”, com aumentos extraordinários das pensões, com dinheiro a rodos para os buracos sem fundo que são a TAP e a CP, e isto só para citar algumas medidas mais emblemáticas. Ora, assim sendo, sem razões substantivamente convincentes, com a consequência mais do que previsível de uma crise política e do adiamento da aplicação dos fundos do PRR, com um possível crescimento da direita no Parlamento, é difícil imaginar o que ganhariam PCP e Bloco em chumbar o orçamento. Tanto mais que este poderia nem ser dramático para um PS que dificilmente sairia como vilão desta história e a quem poderia interessar discutir umas eleições legislativas no exato período em que o PSD trava eleições internas e está sem uma liderança consolidada.
Claro que nem sempre a política se faz de racionalidade. E claro que o aumento da dramatização (para que também contribuiu o PR) torna todos os recuos mais difíceis. Mas a verdade é que a única coisa que poderia tornar credível a ameaça de um chumbo do orçamento para 2022 seria mesmo uma estranha pulsão suicida dos partidos à esquerda do PS. Eis o que basta para formular a pergunta política do momento: teatro ou alucinação? É o que perceberemos nos próximos dias.
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