Um amigo que se diz (e é) conservador enviou-me no sábado uma mensagem de parabéns pelo centésimo aniversário do PCP. Um empresário, insuspeito de qualquer ligação ao PCP, partilhou comigo um poema narrativo de Manuel Gusmão, ilustrado com uma das belíssimas gravuras de Álvaro Cunhal. Uma outra amiga, militante do PS e antiga companheira de trabalho do Parlamento, enviou-me também um forte abraço de parabéns pelo Centenário do meu Partido.
Recebi estes testemunhos com natural agrado, mas também com naturalidade. São pessoas muito diferentes, com perspetivas distantes do PCP, na sua vida, na sua inserção política e filosófica. Mas reconhecem a importância de uma instituição que esteve presente e ativa em todos os momentos importantes da história nacional nos últimos cem anos e que é, pelo seu passado e pelo seu presente, merecedora de respeito.
Houve textos muito bonitos, como os de Luís Osório e de Miguel Esteves Cardoso, confessos não comunistas, que por isso mesmo ganham ainda mais significado. Mas não foram infelizmente a regra.
Tinha pensado fazer uma referência ao Centenário do PCP neste artigo, mas abordando outro assunto, em que há algum tempo venho a pensar. Confesso que a forma como foi tratado este Centenário no panorama comunicacional me deixou particularmente irritado e me levou a adiar o outro tema.
Convenhamos: trata-se de cem anos de um partido político e isso só por si seria merecedor de destaque, se não vivêssemos em tempos de ostracização da política. Para mais, quase metade desses anos foi passada na clandestinidade (será o partido no mundo que mais tempo sobreviveu clandestino).
Assisti assim com estupefação à inserção do Centenário do PCP em plano secundário nos noticiários da noite de 6 de março, já depois da mensagem ressabiada de Cavaco Silva (“está velho” disse dele com acerto Jerónimo), da farsa da reeleição de Ventura, de declarações banais de outros dirigentes partidários e de reportagens sobre artesanato, viagens para o Brasil, entre outros temas.
Salvou-se a presença de Jerónimo de Sousa no Telejornal da RTP1 (já a meio do programa), e mesmo assim com um entrevistador obcecado em dar como adquirido o “declínio” do PCP. E sobretudo a primeira parte de uma série de reportagens sobre a história do PCP na RTP3, para continuar a ver nas próximas semanas.
De resto, ou a ausência de referência digna desse nome ou a repetição até à náusea de banalidades, deturpações, caricaturas. Nem faltou a visita aos badalados “bastiões”, num registo de pitoresco etnográfico dos tempos modernos, com potencial para uma reportagem da National Geographic.
É evidente que a história, a ação e a vida do PCP são matéria de discussão (e controvérsia). Ainda bem. Mas isso não autoriza o amesquinhamento dessa história, reduzindo-a a uma sucessão de casos (aliás, em boa parte descontextualizados ou até inventados), escondendo as páginas de luta, patriotismo e coragem que a caracterizam.
E óbvio que ninguém está obrigado a concordar com o PCP na abordagem de cada momento histórico da sua vida. Mas cem anos exigiam um pouco menos de preguiça, arrogância e subserviência ao pensamento dominante; e um pouco mais de objetividade em relação à importância do papel deste Partido. Essa pobreza não é só injusta para com o Centenário do PCP; é um sinal de enfraquecimento da cultura democrática.
Bem sei que a recusa do PCP em conformar as suas posições e o seu discurso com o que é popularmente mediático em cada momento é pretexto para o discriminar, num tempo em que a comunicação premeia os que surfam a crista da onda, em vez dos que procuram as correntes profundas da sociedade. Mas as ondas morrem na praia e as correntes movem os oceanos.
A morte do PCP já foi, por alguns, cem vezes anunciada. Tenho para esses, más notícias: não está para breve. É que este Partido continua a estar profundamente ligado a quem trabalha, a quem sofre a exploração e a injustiça, ao povo português. E enquanto isso acontecer, por cá continuará. Talvez por mais cem anos!
(Opinião publicada na VISÃO 1462 de 11 de março)