Portugal assumiu, a partir de 1 de janeiro até 30 de junho de 2021, a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, sucedendo à Alemanha. Apesar dos enormes desafios que a UE continua a ter pela frente, o governo português sucede a um período em que, apesar das dificuldades e do legado de má gestão de crises anteriores, se iniciou uma viragem na forma como a União respondeu à crise pandémica. Saiu dela mais forte!
Apesar de praticamente não ter competências na política de saúde (é uma competência formal nacional), soube coordenar-se para uma aquisição e distribuição conjunta da vacina por todos os Estados-membros, fortalecendo assim capacidade logística e negocial de cada país, e dos mais pequenos em particular, face à poderosa indústria farmacêutica. Foi capaz, apesar de todas as dificuldades, de aprovar um plano de recuperação que, pela primeira vez, confere à Comissão Europeia a capacidade de emissão de dívida conjunta, acarretando integração fiscal e o que pode ser um verdadeiro princípio de redistribuição de riqueza assente numa vertente reguladora de mercado a nível supranacional. Apesar de longe do ótimo, isto permitirá um alívio das consequências sociais na resposta à crise económica provocada pela pandemia. Medidas como estas têm um forte poder não só simbólico, mas efetivo de combate a extremismos e nacionalismos, algo que a UE não soube evitar e até fomentou nas respostas à crise financeira de 2008.
Com o Brexit, a União soube sair conciliadora da vontade democrática de um Estado querer sair com o respeito pelo direito legal das normas do seu mercado interno. Neste aspeto, o vírus foi, ironias do destino, um aliado, antecipando aos britânicos e restantes eurocéticos europeus os verdadeiros efeitos de fronteiras fechadas ou dificultadas às mercadorias e às pessoas. Caiu por terra o mito argumentativo da autossuficiência do nacionalismo! Perante o caos dos últimos dias de 2020 na fronteira do RU com França, Boris Johnson baixou a guarda e a altivez do tão proclamado hard-Brexit. A realidade forçou a resignação do líder britânico, mas sobre isso falaremos mais tarde. A crise foi assim uma oportunidade aproveitada e, embora se pudesse ter ido mais longe, ficará como momento de viragem na história da integração europeia.
É, portanto, neste estado de alento que Portugal pega na presidência da UE. Tal como em 2007, quando o país terminou a redação do Tratado de Lisboa, sucedendo também à presidência alemã de Merkel, com uma capacidade de liderança e negociação capaz de levar a consensos mais facilmente. Mas também por isso, Portugal tem uma responsabilidade acrescida em conseguir avanços políticos frente aos muitos desafios que a UE enfrenta e face aos quais tem manifestado impotência e inércia política. Eis alguns que destacamos, presentes, aliás, no programa da presidência portuguesa, nos quais enfatizamos detalhes.
Iniciar a execução do plano de recuperação, numa perspetiva social inclusiva, com respeito pelos e reforço dos valores fundamentais da UE e do estado de direito. No sentido de inclusão, é crucial que as políticas adotadas para a transição digital da economia e prioridade ao clima não sejam geradoras de fenómenos de exclusão económico-social.
Fazer avançar a UE no sentido da uma política social efetiva, que não se apoie apenas em mecanismos financeiros e de coordenação, como até aqui, mas que caminhe para uma regulação social ao nível europeu, iniciando um caminho de combate ao dumping social na União. Tal poderá beneficiar do facto de a UE ir iniciar competências fiscais, que poderão abrir porta para vislumbrar apoio ao financiamento de uma política social europeia.
Uma resposta eficaz ao problema das migrações e, no concreto, dos refugiados, que não assente maioritariamente em mecanismos securitários, conforme tem sido tendência, mas zele pelo cumprimento do direito internacional do refugiado como um direito humano. Em 2015 e anos seguintes, a União não conseguiu responder eficazmente à afluência de massas migratórias às suas fronteiras, gerando-se profundas divisões entre os Estados-membros. Apesar da política de asilo ser um dos objetivos apresentados no início de mandato de Ursula von der Leyen, a crise pandémica inverteu a ordem de prioridades e absorveu as atenções da política europeia. No último ano, a situação degradou-se, com crescentes atropelos aos direitos humanos, casos de revitimização de migrantes reportados pelas ONG, expostos a violações sexuais e tráfico humano, além das condições indignas de vida nos campos de refugiados.
É importante ainda que a UE seja um ator global com reforço de capacidade de atenuar as desigualdades mundiais. Isto deve estar presente não apenas nos acordos comerciais realizados, na prossecução de influência para uma regulação financeira e combate a evasão fiscal internacional, mas também em mecanismos como sanções e condicionalidades que imprimam em territórios com baixos padrões de proteção social e ambiental as mesmas regras internas da UE. É crucial que o objetivo de conseguir um continente neutro em carbono até 2050 não se faça à custa de novos recursos naturais, necessários à produção energética alternativa ao petróleo, cuja exploração é feita em África, Ásia e Améria Latina sem acautelar impactos sociais e ambientais com repercussões nefastas nas comunidades locais. Da destruição ambiental dessas comunidades advirá um aumento de fluxos migratórios.
Portugal terá a diplomacia da UE facilitada com a nova administração americana a indicar um regresso à sua tradicional política de alianças. Com isto, o governo português estará mais confortável para continuar a defender a perspetiva atlantista portuguesa na política externa da União, aquele que tem sido o posicionamento tradicional nacional, mas não deve negligenciar a necessidade de fazer avançar os mecanismos de cooperação política e capacidades operacionais em matéria de Política Externa e de Segurança Comum, se quiser que a UE adquira uma capacidade real de defesa dos seus interesses em matéria externa.
E por último, mas não menos importante, terá de conduzir os pontos negociais pendentes do acordo do Brexit firmado no final do ano passado. Se à partida isto será mais fácil do que as negociações já concluídas com o RU, a posição futura de ambição de independência da Escócia face ao RU pode acarretar um problema de posicionamento político para a União e o Conselho em particular, no que se configura como um precedente delicado na relação da integração com separatismos.
Nesta presidência, Portugal contará com uma Comissão Europeia que se tem mostrado ativa e liderante, como impulsionadora da iniciativa legislativa e política da União, e com uma Alemanha com Angela Merkel em modo de saída e com pretensões de deixar uma marca europeia. Estas duas mulheres serão certamente coadjuvantes da agenda do governo português, mas isto só torna a tarefa mais exigente no sentido de se verificar um efetivo comprometimento crítico, ativo e transformador da UE, para um rumo mais social e inclusivo, a nível interno e externo.