Escrevo estas linhas na manhã de segunda-feira, último dia de novembro. A esta hora, empresários da restauração, bares e discotecas permanecem em greve de fome e ameaçam só sair da frente da Assembleia da República quando o Governo apresentar uma “solução” para os seus negócios. Representam alguns dos setores mais afetados pela crise económica e, por isso, exigem apoios imediatos, isenção da TSU, redução do IVA e no pagamento das rendas, entre outras medidas. Constituíram o movimento Sobreviver a Pão e Água.
É uma luta justíssima; algumas daquelas empresas não faturam um euro há nove meses. Pode parecer irrelevante, mas não o é: tal como as companhias de teatro e os promotores de espetáculos, provêm dos setores associados ao lazer, àquilo que fazemos com o nosso tempo livre, o que nos resta depois do trabalho. Da cultura ao turismo, este vírus também nos afetou no modo como gostamos de nos divertir. Não nos proibiu de dançar e de ouvir música, mas impediu-nos de o fazer no meio de uma multidão de desconhecidos que, connosco, em comum, tem apenas esse prazer. Segundo dados do Governo, no setor da restauração, a quebra de faturação foi de 31% (comércio a retalho de bebidas: 40%; agências de viagens: 74%; animação turística: 60%; hotéis: 64%). Com o novo estado de emergência, o Governo já anunciou mais 750 milhões de euros (programa Apoiar.pt, com apoios a fundo perdido a micro e a pequenas empresas), dos quais 200 milhões serão absorvidos pela restauração.
Sabemos que a Alemanha está há meses a conceder ajudas a fundo perdido. Sabemos que Portugal tem sido dos países mais comedidos nesses apoios. Sem surpresas, até aqui. Também sabemos que muitas destas empresas nacionais já não tinham grande viabilidade económica. Mesmo antes da pandemia, eram negócios frágeis baseados em salários baixos e, não raras vezes, em situações de grande precariedade. O Sobreviver a Pão e Água diz que, só no próximo mês, serão despedidos 110 mil trabalhadores. O mais importante são as pessoas, é salvá-las do ciclo trágico da pobreza, dar-lhes dinheiro para comerem, terem uma casa digna para viver, pagarem a água e a luz. O fundamental é salvarmos as pessoas, não empresas inviáveis, sem grande futuro. Se o modelo de estado social europeu em que vivemos não serve para isto, então para que servirá?
Pouca coisa levaremos como certa de um 2020 de todas as incertezas. Entraremos no Ano Novo com fé na Ciência que, em menos de um ano, conseguiu chegar às vacinas contra a Covid-19. Do lado de lá do Atlântico, Joe Biden terá pela frente a hercúlea tarefa de unir o país e, ao mesmo tempo, de tentar recompor a imagem da América no mundo. Do lado de cá, apesar da posição da Hungria e da Polónia, também existem razões para estarmos confiantes na “bazuca” europeia. E a nossa vida voltará a ser o que era? Continuaremos a esforçar-nos para nos mantermos vivos e, por isso, no essencial, tudo permanecerá igual. No resto, que é muito, nada voltará a ser como dantes.