André Ventura não se dedica a nada de substancial nos dias em que não falta aos trabalhos parlamentares. Iniciou o seu mandato descarregando do computador dezenas de votos de condenação disto e daquilo, na sua busca frenética por títulos noticiosos, sem vergonha alguma de apresentar zero iniciativas legislativas que efetivamente visem a melhoria de condição de vida das pessoas.
André Ventura quer saber dos sound bites e das visualizações dos seus vídeos online com intervenções destemperadas, usualmente legendadas com um “arrasa” este ou aquele, técnica alinhada com o culto do chefe a que Bolsonaro ou Trump devem tanto.
No seu enorme vazio, Ventura encontra agora palco apresentando projetos de lei que ele sabe, enquanto jurista, serem grotescamente inconstitucionais, mas apresenta-os e a comunicação social multiplica o sound bite de cada iniciativa absurda. Desde a pena assessória da castração química à limitação de direitos políticos a indivíduos portadores de nacionalidade portuguesa originária, passando pela proposta de referendo da composição do governo, as iniciativas legislativas servem apenas para dar palco ao Trump português. Ventura quer o barulho, mas falta às reuniões da comissão de assuntos constitucionais, direitos, liberdades e garantias, em que naturalmente é explicado, em parecer, que as violações grosseiras da Constituição não podem subir a plenário. Não contesta, não aparece, não quer saber. Porque só quer saber do barulho que gera essa coisa de se propor, em iniciativas sucessivas, dar cabo do regime.
Claro que, na sua militância populista com estratégia afinada, Ventura avançou para um projeto de revisão constitucional para novo patamar de palco. Com o projeto, que pretende pôr em causa o âmago fundamental da dignidade da pessoa humana e concretizar o racismo militante do Chega, entre outras enormidades, Ventura não perdeu tempo e investiu na sua pose preferida, a de vítima, como se lhe fosse vedado apresentar o que quer que seja.
Sendo evidente que o seu abjeto projeto de revisão constitucional viola os chamados limites materiais de revisão constitucional, mais uma vez aqui estamos a debater um palco. Porque é sempre de palco que estamos a falar. O palco do líder de um partido em cujo congresso é admitida a discussão de uma moção que defende retirar ovários às mulheres que recorram à IVG.
Sendo palco, a verdade é que o regime vai lidando com isto. Que fazer? Tomar uma posição clara. Se André Ventura facilita tanto na construção de uma trincheira, não se desculpem os partidos de direita, especialmente o PSD, na demarcação.
Não há desculpas.
(Opinião publicada na VISÃO 1440 de 8 de outubro)