Há 45 anos, a 1 de maio de 1975, saía o nº 1 de O Jornal. Um semanário diferente, que só o 25 de Abril tornou possível e que constituiu uma expressão viva do seu espírito: livre, independente, aberto, plural sendo de esquerda democrática, responsável sendo rebelde. Diferente? Único, porque propriedade maioritária, depois exclusiva, dos próprios jornalistas que o fundaram e eram só quem nele “ordenava” – desde eleger o diretor a aceitar ou não publicidade
“Jornal de jornalistas”, privilegiámos sempre a deontologia e ética profissionais, a informação séria e de qualidade. Respeitando o imperativo “os factos são sagrados, as opiniões são livres”, valorizando as reportagens e notícias. Só houve dinheiro para um anúncio, na televisão: no Parque Eduardo VII, abríamos as gavetas das secretárias e delas voavam uns passarinhos, ouvindo-se: “Não guardamos notícias na gaveta.”
Num tempo deslumbrante, embora exigente e amiúde difícil, inclusive para o jornalismo com que tanto sonhamos – em liberdade, num país livre e num jornal nosso –, o trabalho era muito mais que trabalho… Não era um modo de vida mas um modo de viver: com entusiasmo, paixão, sentindo-se estar a intervir e contribuir para o tão desejado novo Portugal (e, a todos estes anos de distância, para mim o melhor jornalismo continua a exigir, além de trabalho e competência, entusiasmo e sentido de responsabilidade cívica).
Trago aqui esta breve memória, confesso, depois de ler no Público a crónica O jornal O Jornal, do Miguel Esteves Cardoso. Na qual conta que, tinha 19 anos, mandou uma carta com uma crítica e, para seu espanto, teve como resposta um convite para ir à redação. Foi e, escreve, esse constituiu “o dia mais excitante da minha vida (…) Os jornalistas eram muito jovens e entusiásticos. Transbordavam de paixão e de generosidade, de energia e de camaradagem, de vontade de fazer bom jornalismo (…) Foi a primeira vez que eu vi Abril, a democracia e a liberdade em ação”.
Para lá dos elogios ao nosso semanário, que de facto renovou e foi um caso ímpar na imprensa portuguesa, tocou-me esta evocação do ambiente que aí se vivia feita pelo Miguel, que seria depois nosso colaborador. O Jornal foi um êxito, em 1980 passou a ser até o líder de vendas e audiência de semanários e diários. Entretanto, criou-se, também com sucesso, o Se7e, semanário de espetáculos e tempos livres, o Jornal da Educação, a História, o JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias, uma editora, em que publicamos muitos dos nossos maiores escritores, promoveram-se iniciativas e debates pioneiros, fundou-se, com uma cooperativa de profissionais de rádio, a TSF – Rádio Jornal, etc., etc. Muitas coisas e muitas histórias, que não cabem aqui no papel mas pode ser que um dia comece a contar no site da VISÃO.
A VISÃO, esta, que exatamente continuou e/ou substituiu O Jornal… Porquê? É uma das inumeráveis histórias. Agora lembro apenas que na contracapa da última edição de O Jornal dizia apenas isto: “Uma equipa que sabe virar a última página tem visão para o futuro”. E que, passando em revista o mais relevante que tínhamos feito, intitulei o meu texto nessa excecional edição “Viagem ao passado, regresso ao futuro.”
(Opinião publicada na VISÃO 1417 de 30 de abril)