1 Vale a pena recordar algumas passagens de um velhinho decreto-lei, com o número 48902, de 8 de março de 1969, dos tempos em que o Diário da República ainda se chamava Diário do Governo e em que, convém não esquecer, a liberdade e a democracia eram ideais clandestinos e considerados perigosos pelo regime. Nesse texto, puramente técnico e produzido pelo então Ministério das Comunicações, avançava-se para a criação de um Gabinete destinado a procurar a melhor localização de um Novo Aeroporto de Lisboa, com base numa necessidade constatada empiricamente: a de que, como se escrevia, “alguns anos depois de construído o atual Aeroporto de Lisboa, começou a operar-se no mundo inteiro uma evolução rapidamente progressiva da técnica da aviação”. Como consequência, “as várias adaptações realizadas no Aeroporto, como a preparação das pistas para os aviões a jacto e a adaptação das instalações para procurar atender ao crescente movimento de passageiros, nunca chegaram a satisfazer as necessidades, dado que a evolução do tráfego aéreo se tem processado num ritmo que muitas vezes ultrapassa as mais amplas previsões”.
Com base nessas constatações, esse decreto-lei visto e aprovado num conselho de ministros presidido por Marcelo Caetano e promulgado por Américo Tomás, dizia que era preciso “enfrentar o problema rapidamente, tanto mais que o País não pode perder a posição privilegiada que tem quanto às comunicações aéreas, quer no plano internacional, quer no plano interno”.
Assinalam-se, esta semana, os 51 anos dessa lei e todos sabemos o resto da história: 51 anos depois (sim, é melhor repetir o número de anos), o Aeroporto de Lisboa continua a “rebentar pelas costuras” e o novo aeroporto permanece apenas no papel – apesar de já ter conhecido, ao longo de todo este tempo, 17 localizações possíveis. Pelo meio, as infraestruturas aeroportuárias portuguesas passaram a ter um dono francês e foi mais ou menos aceite a ideia de que o antigo aeroporto não será desativado, privilegiando-se antes a opção por um aeroporto complementar, localizado no Montijo, segundo uma decisão do governo PSD-CDS que foi depois adotada pelo do PS, sem que os seus parceiros de Geringonça tenham manifestado, na época, qualquer oposição.
Não vale a pena tentar discutir aqui os benefícios e vantagens da solução Montijo, até porque já se percebeu que, em Portugal, há tantos “especialistas” em localizações de aeroportos como em táticas de futebol. O que importa realçar, mesmo, é a necessidade de se avançar o mais depressa possível para a sua construção – com a urgência que se sente há 51 anos. É preciso avaliar as implicações ambientais e económicas, o impacto no ordenamento do território, mas, acima de tudo, é preciso avançar. Como estava escrito num muro do Alqueva, antes das obras da grande barragem, o novo aeroporto só precisa de uma ordem: “Construam-no, porra!”
2 Como os últimos dias têm demonstrado, o Covid-19 não é um “vírus da China”, mas sim um vírus global, que não escolhe fronteiras, regimes políticos, etnias ou religiões. Alguns, no entanto, fazem questão de vincar a origem dos seus primeiros casos, como se estivéssemos perante uma invasão do território nacional por um inimigo “estrangeiro”. Ou seja: repetem o discurso habitual dos populistas, sempre repleto de estereótipos xenófobos e das teorias da conspiração mais delirantes, de forma a tentar alastrar o medo e o preconceito em relação aos “outros”. Quando observo a insistência com que alguns órgãos de comunicação social insistem em batizar o novo coronavírus com o nome do país onde habita um quinto da Humanidade – e apesar de, na Europa, a maior parte das transmissões terem agora origem em Itália… –, lembro-me de como Roger Ailes, na Fox News, dava ordens para que Obama fosse sempre chamado “Barack Hussein Obama” (em cenas tão bem retratadas na série The Loudest Voice). É a mesma tática – mas não pode valer tudo!