A política é feita de egos. Sem um ego robusto, dificilmente alguém se presta a liderar, representar e apontar caminhos para os outros. Mas pode um ego deitar tudo a perder? Não haja dúvidas: a história está feita de grandes egos que arruinaram grandes causas, movimentos, processos ou partidos.
O problema chamado Joacine começou a desenhar-se logo no início da campanha. Na verdade, estava bem à vista para quem o quisesse ver. Não foi o Livre representado pela candidata Joacine, vista como alguém com capacidade de mobilizar nichos e gerar empatia, foi a candidata Joacine, sem eleições primárias que a colocassem à prova e elegessem, que se serviu do Livre para se auto-promover e eleger. Na voragem de marcar a diferença face ao status quo, o Livre deixou que tudo se desenhasse à volta dela: as bandeiras, o tom do discurso, os slogans, até a música da campanha entoada pelo Fado Bicha. Bem ladeada, bem “embrulhada” e bem promovida, Joacine Katar Moreira tornou-se um fenómeno político. Uma star. Fazia sentido num partido em que a autonomia e a individualidade era cultivada como marca identitária. E até podia ter corrido bem, assim quisesse Joacine usar este capital inegável que recolhia em benefício das causas do partido e não apenas das próprias.
Só que a criação tornou-se maior do que o criador. O Livre de Rui Tavares transformou-se no Livre de Joacine. E a Joacine do Livre deixou-se tomar pela Joacine, a Star sobranceira. Senhora de um novo estatuto, legitimado pelo voto popular. E, debaixo dos holofotes – sempre tão reveladores – em que se colocou, sucumbiu ao próprio ego. Queres ver como alguém é na sua essência, é dar-lhe poder…
À vista implacável de todos, Joacine enleou-se numa sucessão de casos, episódios fortuitos e declarações infelizes. E em escassos dois meses, tudo caiu por terra. Aconteça o que acontecer durante o Congresso que decorre hoje, a rutura é irreparável: o Livre quer ver-se livre de Joacine, ela não sabe o que fazer com a Joacine Star que construiu. Queria dar um pontapé no estaminé, e quem levou o pontapé foi ela.
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E agora o Livre de Joacine está refém da sua construção. Bem disse Ricardo Sá Fernandes que afastar Joacine pode ser o “suicídio político do Livre”. Dividir um eleitorado tão recente é muito insensato. Só que mantê-la em sua representação também pode ser fatal.
Para a Joacine Star, renunciar e sair do Parlamento “está fora de questão”, já fez saber. No seu discurso de hoje perante o Congresso, acusou o Livre de estar normalizado, igual aos outros partidos que afastam os dirigentes incómodos. E disse que está de “consciência tranquilíssima” e atirou acusações para todos os lados. “Muitos de nós não estamos preparados para o voto que os portugueses nos deram a 6 de outubro”, afirmou, pregando mais um prego no caixão do Livre. “Isto é mentira! Tenham vergonha! Isto é inadmissível! Isto é uma perseguição absoluta!”, disse aos gritos sem pestanejar nem gaguejar.
Como sair do embróglio Livre versus Joacine, eis a questão. Será preferível um Livre livre mas encolhido ou um Livre refém mas fragilizado? Se ficar o bicho come, se fugir o bicho pega.