Em finais do século XIX um representante da coroa lusitana assinou com os líderes nativos um documento através do qual Portugal acolhia no seu seio aqueles territórios africanos independentes, obrigando-se a manter a integridade territorial colocada sob sua protecção e comprometendo-se, em contrapartida, a preservar os hábitos e culturas dos seus habitantes, assim como a respeitá-los e fazê-los respeitar. O tratado foi celebrado antes da realização da Conferência de Berlim que dividiu África pelas potências europeias, pelo que a colonização de Cabinda foi pacífica. A referida conferência, realizada ainda no mesmo ano, veio a confirmar internacionalmente o tratado, adoptando-se a designação de Congo Português para a região.
O documento que estabelece a criação do protectorado foi assinado pelo representante do governo da coroa, Guilherme Augusto de Brito Capello, então capitão-tenente da Armada e comandante da corveta Rainha de Portugal, e pelos príncipes, chefes e oficiais do reino de Negoio, a 1 de Fevereiro de 1885.
O Tratado de Simulambuco é muito simples e consta de apenas 11 artigos, mas revela alguns aspectos dignos de nota, como a proibição do comércio de escravos, o reconhecimento da estrutura administrativa existente (lideranças nativas) e a escrupulosa preservação da propriedade privada, assim como o direito aos rendimentos daí provenientes, não havendo lugar a qualquer tipo de expropriação.
Desde logo as partes obrigaram-se a “não permitir o tráfico de escravatura nos limites dos seus domínios”. Aos chefes nativos do país e seus habitantes Portugal comprometia-se a fazer conservar “o senhorio directo das terras que lhes pertencem, podendo-as vender ou alugar de qualquer forma para estabelecimento de feitorias de negócio ou outras indústrias particulares, mediante pagamento dos costumes”. Mais. Os príncipes e governadores nativos cederiam a Portugal “a propriedade inteira e completa de porções de terreno, mediante o pagamento dos seus respectivos valores, a fim de neles o governo português mandar edificar os seus estabelecimentos militares, administrativos ou particulares.”
Assim, o documento começa por registar que os príncipes e demais chefes nativos e seus sucessores “declaram, voluntariamente, reconhecer a soberania de Portugal, colocando sob o protectorado desta nação todos os territórios por eles governados.” Não se tratou duma conquista ou colonização forçada. Pelo contrário, o protectorado ali estabelecido resultou duma negociação livre e da vontade expressa das duas partes. Em contrapartida Portugal não só reconhecia as lideranças nativas como lhes prometia auxílio e protecção assim como manter a integridade dos territórios. Mas o tratado protege igualmente as culturas locais no respeito pelas idiossincrasias próprias quando define: “Portugal respeitará e fará respeitar os usos e costumes do país.” Portanto, tudo na base do respeito mútuo.
O governo português não só assegurava aos cabindas a possibilidade de desenvolverem relações comerciais com países terceiros, em completa liberdade, como se obrigava a proteger os estabelecimentos dos “negociantes de todas as nações” que se viessem a estabelecer naqueles territórios. Os chefes indígenas obrigavam-se a proteger o comércio quer dos portugueses, quer dos estrangeiros e indígenas, não permitindo interrupção nas comunicações com o interior, e a fazer uso da sua autoridade para desembaraçar os caminhos, facilitando e protegendo as relações entre vendedores e compradores.
Mas as especificidades mais interessantes do tratado talvez sejam mesmo o compromisso dos chefes indígenas em virem a conceder todo o apoio às missões religiosas e científicas que se viessem a fixar de forma temporária ou permanente nos seus territórios. Hoje a província de Cabinda conta com forte presença católica e protestante.
O desenvolvimento da agricultura também foi previsto no documento. Talvez por isso se tenha plantado uma árvore no local e no momento do acto de assinatura do tratado, a qual permanece imponente, a que se juntou um marco histórico e uma placa alusiva com a respectiva inscrição informativa para a posteridade, local que tive oportunidade de visitar há poucas semanas.
Parece que passadas nove décadas e três regimes políticos depois em Portugal, terá sido a riqueza do petróleo enquanto recurso natural que acabou por determinar em grande parte o destino de Cabinda e a sua integração na nação angolana em 1975, fazendo esquecer de vez Simulambuco.