Um dos grandes problemas do Natal são dois: o pré-natal e o pós-natal. No período pré-natalício anda tudo com a cabeça no ar por causa dos presentes, das ementas, dos enfeites, das visitas da praxe, nomeadamente àquela tia avó que está num lar com Alzheimer e que já nem sequer nos reconhece mas que não podemos deixar de lá ir, e mais não sei quantos pequenos nadas que pomos na lista dos imperativos e que nem sequer são assim tão imperativos, mas que queremos levar até ao fim. Por exemplo, eu vivo sozinha e depois de ter decidido que não ia fazer árvore de Natal, dei por mim a carregar um pinheiro e a arriscar as minhas frágeis costas numa travessia trágico-marítima à dispensa para encontrar as bolas, os sinos, os fios e as luzinhas de Natal e só descansei quando vi o estaminé todo montado com o pequeno presépio em baixo a enfeitar. Foi um final de tarde tão atarefado que tinha combinado ir ao cinema e deixei passar a hora. Agora, quando chego a casa, não está lá mais ninguém para olhar para a árvore, mas não faz mal, olho eu, num pasmo quase infantil porque é melhor ter lá o pinheiro do que não ter.
Os dias de Natal também são aqueles caos partilhado por todos: nas famílias numerosas as pessoas têm de se repartir para conseguir ir a todas as casas, nas famílias pequenas, as pessoas entristecem-se por que são poucos à mesa. E depois quem é que consegue comer perú, bacalhau, fatias douradas, tronco de natal, sonhos e mais não sei quantas invenções de açúcar durante dois dias sem ficar mal da barriga? Cada um tem as suas defesas, no meu caso olho pouco para a mesa para não ficar confusa com tanta informação e não sofrer daquilo a que os franceses chamam l’embarras du choix, o embaraço da escolha. Além disso, com mais ou menos amigos secretos, existe sempre aquela angústia miudinha de falhar no presente certo ou receber uma coisa feia e horrível que não serve para nada.
É claro que a noite de 24 tem sempre a sua magia, sobretudo quando há crianças, música, teatro e outras brincadeiras além da inevitável troca de presentes. Enviamos mensagens aos amigos mais queridos e distantes e somos quase sempre surpreendidos com missivas de pessoas que afinal se lembram de nós e, helàs, querem o nosso bem. No dia 25 trocam-se os últimos presentes, fazemos a derradeira ronda de família e amigos e vamos dormir muito consolados, pensando que no dia a seguir tudo voltará ao normal.
Nada mais errado. Não voltamos ao normal porque entretanto já engordámos meio quilo e aquele vestido espetacular que assentava como uma luva na segunda semana de Dezembro agora parece ser um tamanho abaixo, temos pendentes para resolver com pessoas que estão de férias, a passagem do ano já se desenha na próxima curva da vida e toda a gente começa a perguntar o que vamos fazer, na esperança de podermos ter em mãos uma sugestão mais interessante, o que quase nunca acontece. O período pós-natal também é igualmente esgotante, mas pelas razões opostas: já estamos em fase descendente, no debriefing existencial, a ruminar tudo o que não conseguimos mudar e a tentar ganhar alento e coragem para as mudanças que mais desejamos. Por exemplo, eu programo todos os anos que vou fazer um curso de linguagem gestual e depois isso nunca acontece. E o pior é que me culpo por nuca acontecer, quando em bom rigor, não é algo que vá mudar drasticamente a minha vida.
Tal como o período do regresso às aulas, a quadra natalícia também é a menos recomendada para conversas sérias entre casais, separações e mudanças de vida. Não é que as pessoas não queiram, simplesmente não conseguem, porque não têm energia nem cabeça. Não sei quem disse que as circunstâncias superam quase sempre as convições, mas terá sido certamente uma mente iluminada pelo bom senso. Se está farto/a do seu marido/mulher e sente dentro do peito um cuco a explodir, implorando aos seus cinco sentidos para mudar de vida e mandar tudo pelos ares, respire fundo e deixe passar algumas semanas antes de largar a bomba. Este não é o momento certo, apesar de toda aquela lista carregada de boas intenções que tem andado a escrever mentalmente na sua cabeça. Durma sobre o assunto e deixe assentar a poeira, porque só depois do dia de reis é que a vida volta a acertar o passo. Até lá é ir levando, sem se levar demasiado a sério e deixar que o tempo arrume o que a realidade não deixa. É o que vou fazer no dia 6, quando plantar o pinheiro no eu jardim e voltar a arrumar as bolas, os sinos e a luzinhas na caixa do costume.
A vida continua, até para o ano se Deus quiser.