A discussão da intenção de combater a retenção no Ensino Básico põe a nu divergências surpreendentes sobre a missão da escola.
As razões para melhorar as taxas de retenção são conhecidas: somos um dos países em que mais se reprova – o que nos deve inquietar, já que não há evidência de que sejamos menos capazes de aprender do que os cidadãos de outros países; a retenção é sintoma de um problema de justiça social, porque afeta sobretudo os alunos de contextos socioeconómicos mais desfavorecidos; a retenção é pedagogicamente pouco eficaz – maioritariamente, os alunos que reprovam voltam a reprovar.
Se as razões são claras, a forma como o debate tem sido colocado, sobretudo pelo PSD e pelo CDS, faz tudo por obscurecer a procura de soluções. No debate quinzenal, a grande questão parecia ser se o aluno que não sabe chumba ou não chumba. A questão assim colocada revela quem não está interessado em saber porque o aluno não aprendeu, nem o que se pode fazer para que não haja mais alunos que não aprendem. A sua questão é só mesmo o resultado final e o debate estéril sobre facilitismo, que se mede afinal pelo número de reprovações.
Apesar da repetição de chavões, isto é o que está em causa:
1 – A eliminação de retenções não visa poupar. Que a retenção é cara face à sua eficácia é um facto. Mas o propósito economicista não encontra respaldo no investimento continuado em medidas de apoio à diminuição da retenção: só na última legislatura, foram contratados mais 300 psicólogos, alocadas dezenas de milhares de horas de componente letiva a tutorias, reforçadas as equipas docentes para os planos de ação do Programa Nacional para a Promoção do Sucesso Escolar em cerca de 800 professores, aumentado o crédito horário das escolas TEIP [Territórios Educativos de Intervenção Prioritária], mobilizados 100 milhões de euros dos fundos comunitários em projetos de combate ao insucesso. Este investimento não sustenta a tese de que se pretende poupar com a melhoria das aprendizagens.
2 – Os alunos não vão passar administrativamente. Nem esta figura existe nem está prevista no programa do Governo. Prevê-se, pelo contrário, que se procure a erradicação da retenção através de medidas de apoio. Dá-se, assim, continuidade e alargam-se estratégias que têm vindo a ser avaliadas na sua eficácia e qualidade, como os Planos de Ação Estratégica das escolas, os Planos de Inovação. O programa do Governo prevê ainda mais, como a deteção precoce de dificuldades na linguagem e na inumeracia, a criação de um programa de mentorado ou a estabilização do corpo docente nas escolas em contextos mais desfavorecidos. Não se pretendem, portanto, passagens administrativas, mas, sim mais apoios para os alunos que deles necessitam.
3 – A retenção não é a melhor alternativa. A excecionalidade da retenção nos anos não terminais já é uma realidade na legislação há muitos anos. Isto significa apenas que a retenção deve ser o último recurso depois de esgotadas todas as possibilidades de apoio. E sabemos que é assim que é vista pelos docentes. Não conheço nenhum professor que goste de ver alunos retidos. Há quem defenda que era preferível ter sido retido porque teria aprendido melhor. Tomemos um exemplo dado no site da VISÃO: passei do 8º para o 9º sem bases de Matemática e não recuperei. Não recuperou porque não teve medidas de recuperação e não por ter passado. Ganharia em repetir todas as disciplinas em que nunca teve dificuldades?
Rejeitar um esforço continuado e planeado contra a retenção é rejeitar um esforço para garantir o direito à educação para todos. Este esforço envolve todos, incluindo o próprio aluno.
Devem as políticas sociais lutar pela erradicação da pobreza, pelo fim do desemprego? Devem as políticas de saúde lutar pela cura dos doentes? Devem as políticas de defesa lutar pela paz plena? Então, a resistência a um plano educativo que lute pela aprendizagem para todos só se explica se, para alguns, a educação não for, afinal, um direito universal.