Há temas que os jornalistas têm prurido de abordar em público. O principal é, compreensivelmente, o estado da sua indústria e a situação financeira dos órgãos de comunicação social. Aproximamo-nos, é um facto, de juízes em causa própria, mas fingir que nada se passa, pondo em risco todo um setor que é garante da democracia é meter a cabeça na areia. O diagnóstico está à vista: os meios de comunicação social portugueses, sobretudo os de Imprensa e os online, vivem tempos angustiantes há vários anos, determinados pela mudança tecnológica que pôs em causa velhos modelos de negócio, oscilando hoje entre dívidas bancárias acumuladas (e virtualmente impagáveis), resultados negativos persistentes e quebras de vendas e receitas comerciais dramáticas. São raríssimos os casos que fogem deste padrão.
Sim, seria melhor não ter de falar, mas é preciso falar disto. Já o disse o Presidente da República, em apelos sucessivos que ficaram mais ou menos a ecoar pelo espaço, sem retorno. António Costa nunca quis até agora discutir o assunto – ainda em julho, em entrevista à VISÃO, arrumou a pergunta afirmando que o papel do Estado é não imiscuir-se, dizendo que os privados têm de refletir consigo próprios e encontrar soluções. Soluções estas que, note-se, no mundo inteiro ainda ninguém encontrou, porque por todo o lado a situação é idêntica (não são, claro, comparáveis os players globais e ultraespecializados). Mas, agora, uma mudança pode estar em curso. Acabou de ser nomeado para o novo Governo um secretário de Estado para a pasta de Cinema, Audiovisual e Media (na dependência da ministra da Cultura, Graça Fonseca), com pensamento próprio sobre o assunto.
Nuno Artur Silva conhece bem os vários setores que irá tutelar, e sobre este tema já fez declarações públicas importantes, com uma mensagem clara: o jornalismo independente é indispensável. Numa entrevista de agosto à VISÃO, afirmou: “Se a democracia precisa de jornais, o Estado tem de cobrar uma taxa qualquer para que se paguem projetos jornalísticos.” E acrescenta: “Terá de acontecer aos jornais o que aconteceu ao audiovisual, ou seja, em Portugal só vão sobreviver com apoios. Apoios que podem ser do Estado – é irónico, nós andámos muitos anos a dizer que os média tinham de ser privados para fugirem ao controlo do Estado, mas e o controlo das corporações? Quem me garante que os privados são mais livres do que o público de fazer determinadas notícias?” Boa pergunta… terá ficado a ecoar nalgumas cabeças?
Que apoios para os privados (e não apenas para o sistema público de rádio e televisão), eis a grande questão que é preciso urgentemente discutir. Premissa básica e ponto assente: ninguém quer, sobretudo nós jornalistas, um governo a “imiscuir-se” nos órgãos de comunicação social, ou seja, a toldar-lhes a independência e a liberdade. São, parece-me, de evitar quaisquer financiamentos diretos e decisões administrativas discricionárias – terrenos minados que dão azo a abusos e a compadrios. Mas há muitas medidas indiretas possíveis, que não ferem, de forma alguma, a liberdade editorial e que, não resolvendo o fundo da questão – o principal trabalho tem de continuar a ser feito nas empresas de comunicação social que têm de se adaptar aos novos tempos e padrões de consumo –, pelo menos se traduzem em incentivos à leitura e à literacia mediática, em poupanças de custos para os órgãos de comunicação social e numa repartição mais justa das receitas. Medidas como os benefícios fiscais para assinaturas de jornais e de revistas, em papel ou digital, com uma dedução à coleta do seu valor integral; portes pagos de correio para as assinaturas em papel (que muitos ainda preferem); comparticipação das empresas de telecomunicações (que sem conteúdos não têm negócio) nas despesas com comunicações; redução nos tarifários de luz e até vantagens em sede de tributação de IRC. Muitas destas medidas já foram postas em prática lá fora – as empresas privadas de média já têm apoios públicos em 14 países europeus, nos Estados Unidos da América, no Canadá, na Nova Zelândia e na Austrália. Paralelamente, o Estado e a Europa têm de agir de forma mais veemente contra os gigantes tecnológicos, que ficam com a parte de leão das receitas publicitárias digitais – avance rapidamente a taxa Google.
Metamos na cabeça – os média são um setor especial, um pilar democrático garante do pluralismo que, se ruir, pode arrastar atrás de si todo um sistema. Vamos mesmo querer viver num País sem informação pluralista de confiança e de qualidade, que garante o contraditório a todo o tipo de poderes? Mas a quem serve um contrapoder moribundo? O tempo é agora, ou daqui a uns anos pode ser tarde demais: podem já restar poucos para contar a história…