O reforço do PAN e a entrada de três novos partidos – Chega, Iniciativa Liberal e Livre – fazem deste Parlamento o mais diversificado de sempre. Temos uma maior pulverização e mais cores e ideias na Assembleia, ou seja: de 6 de outubro saiu uma dose reforçada de pluralismo. E isso é, à partida, positivo porque aumenta a representatividade da Assembleia como espelho da Nação. Dito isto, estes partidos terão agora de passar pelo crivo do confronto de ideias e de um maior escrutínio público, coisa que até agora praticamente não tiveram.
Começando pelo PAN, que ocupou um território que em todo lado cresce na Europa. O aumento para 3,3% mostra que personificou o voto de protesto à portuguesa, captando alguns desiludidos com os partidos tradicionais, ao mesmo tempo que foi buscar os jovens urbanos, os amantes dos animais e os verdes “cool”. O tema da ecologia, que convenientemente somou à sua cartilha mas que ainda não domina, deu um bom empurrão. Olhando, porém, para as 1 196 medidas avulsas que apresentou, fica clara a bondade das suas bandeiras, mas também a fragilidade e a inconsistência daquele conjunto de propostas. Vai ser interessante perceber o que pensam estes quatro deputados sobre Finanças, Economia, Segurança Social, Emprego, Infraestruturas ou Justiça…
Por sua vez, a Iniciativa Liberal (IL) é uma espécie de novo Bloco à direita. São frescos e desempoeirados e conseguiram cativar algum eleitorado mais “moderno”, cansado de Cristas e de Rui Rio. A campanha fez-se nas redes, entre “bocas”, memes e mensagens partilhadas em grupos de WhatsApp, a mais famosa das quais um teste de barómetro eleitoral com um conjunto de perguntas e um resultado que pendia claramente para a Iniciativa Liberal. Vale a pena olhar para o programa do IL: um saco de ideias a defender a liberdade em todas as suas formas – “É preciso descomplicar Portugal” –, algo que passa bem como soundbyte. Quem não quer menos Estado, menos impostos, mais liberdade individual? Quem não gostaria de pagar 15% de IRS e muito menos IRC? O pior é quando se olha para as consequências desta liberalização política, económica e social, convenientemente esquecidas destas listas cor-de-rosa de desejos. É que o reverso da medalha de menos Estado e menos impostos é menos proteção social, menos segurança na reforma, menos saúde e menos escolas públicas… E um desprezo pelo conceito de justiça social – algo bem claro na proposta de taxa única na tributação do rendimento: é justo que ricos e pobres paguem o mesmo? Será interessante ver como resiste a consistência desta ideologia.
No espectro oposto está o Livre, que capitalizou com a bem escolhida figura cabeça de cartaz: Joacine Katar Moreira, uma das três primeiras afrodescendentes a chegar ao Parlamento e o protótipo de que em política é possível fazer das aparentes fraquezas forças. Promete ser uma esquerda antifascista, antirracista, feminista e ecológica, e trabalhar pela igualdade e pela justiça, social e ambiental. Até aqui, tudo bem – quem ousa discordar de propósitos tão bem-intencionados? O problema são as letras pequenas do programa, escondidas atrás das parangonas, um plano a que o Livre chamou “A Grande Valorização” (é só a mim que lembra o Grande Salto em Frente?) – das pessoas, do conhecimento, do território. Sobretudo as propostas financeiras e económicas para um processo de “verdadeiro ‘desencarceramento’ do Estado português e dos portugueses”, em que se propõem soluções com tanto de utópico como de extremista (só um exemplo: a separação forçada entre a banca comercial e a banca de investimento).
E depois temos o populista Chega!, no “espectro light” da extrema-direita xenófoba, que quer coisas como a restituição da prisão perpétua, a castração química e, cito, “deixar de sustentar aqueles que não querem trabalhar”. Com mais palco e mais cobertura mediática, tudo pode acontecer: ser um mero epifenómeno como Marinho Pinto ou conseguir cavalgar uma onda de descontentamento, aumentando a base de apoio e radicalizando-se ainda mais.
Bem-vindos ao hemiciclo, agora é que isto vai ser (mais) a sério!