Quando estão cumpridos mais de três quartos da legislatura, é chegada a hora de avaliar a atuação do Governo. A primeira conclusão é o fracasso nas questões sociais em toda a linha. Deixemo-nos de qualificações vagas: o maior legado do atual Governo é continuarmos a ter demasiados cidadãos que vivem em condições inaceitáveis. António Costa continua a apregoar o fim da austeridade, mas dois milhões de portugueses vivem em situação de pobreza. Os partidos da esquerda, paladinos retóricos dos direitos sociais e do combate às desigualdades, deveriam sentir um calafrio na espinha, porque, nos últimos três anos, não foram capazes de defender as camadas populacionais mais desprotegidas. Já não podem dizer que a culpa é dos outros, porque PCP e BE foram e são ainda os esteios de uma maioria socialista que descuidou os que menos têm.
Foram cúmplices das feridas que se vão abrindo de forma preocupante na autoridade do Estado, na proteção das populações e no prestígio das Forças Armadas. Como foram igualmente os corresponsáveis pelo paradoxo com que nos deparamos: nunca tantas greves se fizeram em Portugal. O descontentamento generalizado e a ausência da paz social são o sintoma de que já nem os sindicatos se identificam com as causas das esquerdas. Quais causas? Para esta maioria, há antes uma mão-cheia de reivindicações parcelares que tendem, cada vez mais, a valorizar, por exemplo, os direitos dos animais, mas negligenciam a dignidade das pessoas.
Analisemos o comportamento de alguns ministros. Mário Centeno consegue atingir as metas orçamentais, mas poderia explicar, sem ponta de incómodo, que tudo teria sido mais difícil se não fosse um governo liderado pelo PSD a comprimir um défice de dois dígitos para patamares próximos dos 3%. Foi o PSD que pôs termo à calamidade orçamental, do despesismo descontrolado e do desmazelo com as contas públicas. Mário, isto é, o presidente do Eurogrupo, não esconde ainda que tem de puxar as orelhas às políticas de Centeno, o ministro das Finanças do XXI Governo Constitucional. São duas personagens duma mesma realidade. Mas Mário Centeno ficará na história como o campeão das cativações orçamentais e o autor moral da degradação inqualificável dos serviços públicos.
A trajetória de endividamento nacional, público e privado, deveria deixar-nos muito preocupados. O Governo ignora ou vai reagindo sem saber o que fazer. Faz o mais fácil: vende dívida de curto prazo mais cara por dívida de longo prazo mais em conta. Mas a dívida pública disparou para um novo máximo histórico em novembro – 251.500 milhões de euros. Sinal dos tempos é também o nível do endividamento das famílias, com o crédito ao consumo e à habitação a ascender para níveis de 2009. É como se soubéssemos que vem aí um tsunami e todos ignorassem os alertas das autoridades, neste caso, do Banco de Portugal. O crescimento económico é insuficiente para permitir convergência com os nossos parceiros.
Na Saúde, os serviços caminham para o colapso. Os hospitais rebentam pelas costuras, o Ministério da Saúde regressa ao passado no atraso nos pagamentos e na acumulação de dívidas a hospitais, laboratórios e farmacêuticas.
No Ensino, Tiago Brandão Rodrigues confirma a primeira impressão dos analistas quando se conheceu a sua escolha: é um erro de “casting” tremendo. Gere uma pasta muito importante, mas é de um ator de palpites amadores que estamos perante. O número de jovens que frequenta o ensino superior está abaixo da média da OCDE. Isso quer dizer que está a aumentar as fileiras da geração do “nem-nem”: aqueles que nem estudam nem trabalham.
Augusto Santos Silva, o peso-pesado a que recorrem os sucessivos governos socialistas, continua a ser o ministro mais influente de António Costa, o seu ideólogo. Santos Silva gere o Palácio das Necessidades com a mesma arte de um engenheiro hídrico que constrói barragens: cada gota é importante, mas basta uma para tudo tremer. Esqueceu por completo os portugueses na diáspora, em especial, a nossa comunidade que sente na pele o caos económico-social na Venezuela. Santos Silva trata o “Brexit” como um assunto menor, porque o Governo português ainda não percebeu que são precisos planos de contingência perante a incerteza da saída do Reino Unido da União Europeia. Acautelar os interesses das nossas empresas bem como dos cidadãos portugueses deveriam ser prioridades trabalhadas arduamente e de forma interministerial.
Na Administração Interna como na Defesa a gestão destes ministérios catapultam Portugal para o século XIX, da anarquia e da descrença coletiva. Portugal continuou, em 2018, a agravar a condição de Estado de Direito, mas sem autoridade. Um Estado de leis, mas sem administração organizada. Um Estado de território, mas sem decisores que velam pela proteção de todos nós.
Na Justiça, a ministra nem sequer precisa de explicar por que fez tão pouco – o mau ambiente entre os operadores judiciários, a revolta das prisões e as desconfianças dos cidadãos em relação aos tribunais e realização do mais importante dos bens, a justiça, provam o seu empenho. A reabertura de tribunais melhorou o funcionamento da justiça ou traduziu-se antes numa medida populista para calar as populações?
Ana Paula Vitorino é a ministra do Mar, porém nem sequer consegue dar conta da paralisia dos portos. São infra-estruturas que estão a perder competitividade para os nossos parceiros e, a longo prazo, iremos pagar caro a incapacidade em compreender que não há exportações sem alavancas portuárias eficientes. Continua a fazer parte do seu discurso político vago as potencialidades do mar e ainda se limita a entregar de mão beijada a nossa Zona Económica Exclusiva a potências externas.
Vieira da Silva garante que o sistema de Segurança Social está sólido, mas todos os anos agrava-se o tempo para os beneficiários poderem aceder à pensão de velhice. Ainda está na memória recente a trapalhada das reformas antecipadas. O ministro ilude os trabalhadores com pensões mais desafogadas, mas que na verdade mantêm penalizações que esmagam o valor final das pensões.
Pedro Marques é um ministro à deriva. Contratualiza a construção de um novo aeroporto alternativo a Lisboa quando nem sequer dispõe de garantias ambientais que possam assegurar a realização de uma obra de tal envergadura na margem sul do Tejo. Procede à aquisição de automotoras para o serviço regional – abaixo de metade das necessidades da CP – e ainda deixa acentuar a degradação do longo curso. Este é um Ministério com ministro de zero Planeamento. Os transportes públicos, rodoviários, ferroviários e fluviais, funcionam de forma precária, com os utentes a perderem tempo precioso quer para se deslocarem para os locais de trabalho quer para se dirigirem às principais cidades.
Há um atributo político assinalável em António Costa: é capacidade em rasteirar os seus próprios amigos. Basta pensar na remodelação de quatro ministros caídos na desgraça da impopularidade, que depois de aprovarem o Orçamento do Estado para 2019, são afastados pelo Primeiro-Ministro. 14 de outubro de 2018 é o dia desse ato da imolação governamental: Adalberto Campos (Saúde), Azeredo Lopes (Defesa), Manuel Caldeira Cabral (Economia) e Castro Mendes (Cultura) são os cordeiros sacrificados, sendo que Adalberto Campos foi o que mais se sentiu atraiçoado por esta ingratidão do Primeiro-Ministro.
A promessa quebrada é uma das suas principais marcas de António Costa. Basta pensar no sarilho em que a geringonça se vê metida por causa do descongelamento das carreiras dos professores. O Primeiro-Ministro quebra compromissos como quem faz sermões aos peixes, e a mentira é o sal deste Governo.
Na mensagem de Ano Novo, o Presidente da República reafirmou que atravessámos “tempos muito difíceis”. António Costa, que ergueu um Executivo apoiado por uma frente de esquerda, não pode estranhar as palavras do Chefe de Estado: “Justiça social, combate à pobreza, correção de desigualdades”. O aviso presidencial sobre o estado da economia não podia ser mais direto: “Podemos e devemos ter a ambição de assegurar que a nossa economia não só se prepare para enfrentar qualquer crise que nos chegue, como queira aproximar-se das mais avançadas e dinâmicas da Europa, prosseguindo um caminho de convergência agora retomado”. Ora, sem economia não há País. Que Governo é este que teima em acordar para a realidade? Temos, em suma, um Governo, do pós-troika, que nos deixa como herança um presente perigosamente frágil.