Houve muito boa gente que, por cá, apoiou o impeachment de Dilma Rousseff. Recusavam-se a chamar-lhe golpe e, mesmo perante a votação dos deputados com seus discursos ridículos, achavam que o PT merecia ser castigado até pelas pedaladas fiscais que são comuns em vários países. Assim, legitimou-se a deposição de um governo eleito por uma grande maioria, a demissão da única figura política brasileira relevante com ficha limpa e a (irreversível?) descredibilização da democracia brasileira. Tudo na senda de demonizar o PT, tomar o poder e travar (ou pelo menos enviesar) o processo Lava Jato.
O que é engraçado, é que os tais opinadores não se limitaram a ficar do lado errado da história no momento do golpe, como hoje continuam a imputar ao PT as culpas de Bolsonaro. E é engraçado porque, apesar de tudo, o PT é o único partido que ainda consegue competir com ele. Sendo que a direita dita moderada, que confabulou o golpe, acabou por morrer com ele por falta de legitimidade moral. É que se o PT tinha um grande historial de corrupção e cumplicidades, as figuras da direita eram ainda piores e toda a gente percebeu.
Sucedeu-se o governo Temer, o mais impopular de sempre no Brasil e, chegados aqui, a única alternativa a um PT demonizado, é um fascista com um QI diminuto e um discurso à “gajo de Alfama”.
Pena é que não se admita que foi a direita corrupta que, de um golpe, terraplenou a política brasileira e abriu espaço para Bolsonaro. Pena é que não se admita que, apesar dos erros do PT, no conjunto dos partidos brasileiros, é um dos que tem menos candidatos barrados pela Lei da Ficha Limpa (apenas 18, para 49 do PMDB e 56 do PSDB). Pena é que não se admita que a rejeição ao candidato do PT é em grande medida causada pela campanha de fake news nas redes sociais, pela campanha antipetista dos principais canais de televisão aberta, e pelo ódio classista que define a estrutura da sociedade brasileira.
Reconhecem-se muitos erros à governação de Lula e Dilma. Dentro da esquerda sobretudo. E nem é preciso falar do Mensalão e outros casos graves de corrupção. A política basta. Mas perante a escolha que está em causa, entre um democrata (com um óptimo CV) e um fascista que dissemina discursos de ódio, apoiado pelos piores lobbies e interesses, tudo deveria ser claro.
A campanha contra Bolsonaro tem-se focado mais no campo dos valores, do que no campo programático. Isso talvez seja um erro, contando que para quem está disposto a votar num fascista, o facto de ele ser misógino ou racista é bem capaz de não ser argumento de rejeição. Mas, de facto, é muito difícil confrontar ideias com quem tem um discurso errático, pouco estruturado, sem conteúdo lógico e baseado em códigos de um populismo boçal. Sobretudo quando o candidato se recusa a participar em debates, evita conferências de imprensa e ataca o adversário apenas com mentiras.
É muito triste e preocupante a situação do Brasil. Até porque a escalada de violência já se faz sentir. E os que dizem que Bolsonaro, chegado ao poder, vai ser mais moderado e nunca aplicará a política de ódio que apregoa, parecem não perceber que não é preciso que ele cumpra a sua agenda. Terá quem a cumpra. Já que, a sua eleição significa a legitimação de um discurso racista, misógino, homofóbico e classista, que galvaniza e abona as acções de grupos radicais, que estão em pulgas para soltar a violência contra as minorias, num país já de si muito violento. Agora imaginem tudo isto com o comércio de armas liberalizado…
É com muita preocupação que o mundo acompanha a situação do Brasil. Ou pelo menos uma parte. Pois se pensarmos na rápida escalada da extrema-direita na Europa, nos milhões que apoiam Trump nos EUA e em como o capitalismo tem abraçado esta dinâmica, com mercados felizes e bolsas em crescimento, facilmente percebemos que o mundo está dividido. E, sendo assim, que é importante ficar do lado certo. Do mundo, da luta e da história.