O Pontinha, O Letra, O João e O Senhor Reizinho. São estes os subtítulos das mais recentes crónicas de António Lobo Antunes que serão publicadas na VISÃO, até ao final de agosto, sob o título comum Quatro Lembranças de África. Os quatro textos remetem para o período “africano”, sempre presente na obra de Lobo Antunes, e constituem, em mais de 15 anos de escrita para a VISÃO, o primeiro conjunto de crónicas pensado pelo autor propositadamente como uma série.
Cada uma das crónicas é dedicada a um elemento da Companhia de Artilharia 3313, na qual António Lobo Antunes, comandado por Ernesto Melo Antunes, seguiu incorporado para a guerra colonial em Angola a 6 de janeiro de 1971. Como o próprio confessou em entrevista à VISÃO, foi em África que o escritor aprendeu “a existência dos outros”. Ou, como recorda agora, em Quatro Lembranças de África: “Os meus soldados não são pessoas humildes, são príncipes.”
Na guerra, o autor, então médico com a especialidade por fazer, acompanhava o batalhão português e, ao mesmo tempo, assistia as populações das aldeias angolanas. Lobo Antunes esteve destacado nas Terras do Fim do Mundo e, depois, numa segunda fase, na região do Malanje. Desde Cus de Judas, romance publicado em 1979, que as memórias de África e da Guerra Colonial estão presentes na obra do escritor. Em 2005, Joana e Maria José, as duas filhas mais velhas de Lobo Antunes, também reuniram num só volume a correspondência trocada sob a forma de aerograma entre a sua mãe e o seu pai, enquanto este esteve destacado em Angola. O livro foi, recentemente, adaptado ao cinema por Ivo M. Ferreira. Agora, nesta nova série de crónicas da VISÃO, os soldados, os angolanos e a própria paisagem africana voltam evidenciar-se como inspiração literária: “O céu de África é completamente diferente do céu de Portugal. Estrelas desconhecidas, uma amplidão imensa, o ensurdecedor ruído do silêncio.”
A primeira crónica – que será publicada na VISÃO do próximo dia 10 – é dedicada a Pontinha, alcunha de um dos soldados da 3313 que, como explica Lobo Antunes, se chamava Pontinha por causa do bairro da periferia de Lisboa, “um bairro pobre cheio de malta baril”. Na segunda crónica, nas bancas com a edição de 17, segue-se um retrato (quase neorealista) de Normando Letra de Oliveira, nome “impressionante para um analfabeto”, comenta o escritor. Foi em África, conta Lobo Antunes, que o Letra fez o exame da quarta classe que lhe garantiu o regresso à Metrópole. João será a figura central da terceira crónica, que será divulgada no dia 24: “O João é das pessoas mais inteligentes e com mais sentido de humor que conheço: os estúpidos não têm humor algum.” Por fim, na última edição de agosto, a VISÃO publicará a crónica sobre o Senhor Reizinho. É a propósito dessa figura que Lobo Antunes diz: “Há pessoas detestáveis que a gente continua a aturar porque, até certo ponto, têm a capacidade de mostrar sem vergonha o que nós escondemos: quem não tinha medo da mata, quem não tinha medo de morrer?”. Uma frase que, afinal, é a síntese perfeita de Quatro Lembranças de África e do modo como o escritor, através de uma “pequena história”, é capaz de pôr a vida toda em cada crónica.