Para alguém bem-sucedido, aceitar o fator sorte como determinante no seu sucesso é sempre um sapo difícil de engolir. Afinal, quem se saiu bem na vida tende a acreditar que lá chegou exclusivamente graças aos méritos próprios, ao seu talento e ao empenho que depositou a estudar e a dar o litro. Era bom que assim fosse – o mundo era um lugar muito mais justo se todos os bons e esforçados conseguissem ter oportunidades e reconhecimento. Só que, infelizmente, não é mesmo assim. A sorte conta e muito.
As circunstâncias não são determinantes fatalísticas (e há muitos exemplos de quem fintou destinos miseráveis que lhes pareciam traçados), mas têm enorme peso. A sorte de nascer num meio privilegiado e de ter uma família que dá boas bases, ampara e abre portas. A sorte de conseguir uma chance numa boa empresa, de ter chefes justos e competentes. A sorte de conseguir um financiamento para se lançar por conta própria. Ou a sorte, simplesmente, de estar um dia no sítio certo na hora certa. Poder gozar do acaso feliz de ser a pessoa indicada naquele contexto específico naquele timing concreto.
A sorte dá muito trabalho, dirão alguns crentes arreigados da meritocracia. É um facto que só com ela não se vai longe, para se agarrar uma oportunidade é preciso preparação e desempenho, para 10% de inspiração tivemos de ter os tais 90% de transpiração. Mas é aquela centelha de sorte (e de otimismo, acrescento eu) que alguns têm e outros igualmente competentes porventura não terão que pode fazer a diferença. Uma curiosidade: sabia que quem admite que a sorte teve influência na sua vida tende a ser mais generoso com os outros? Vários estudos científicos comprovam-no, como explica Robert H. Frank no livro Success and Luck: Good Fortune and The Myth of Meritocracy.
Ando às voltas com esta ideia desde que vi a exposição World Press Photo 2017, que premeia o melhor fotojornalismo que se faz no mundo, pela 16º vez trazida a Portugal pela VISÃO (no Museu de Etnologia até dia 21 de maio). Olhar para aquelas mais de 100 fotografias é um banho de realidade nua e crua – inquieta, faz pensar. Em comum o Homem e a sua finitude, a mesma dor, a mesmíssima angústia em várias latitudes e geografias. Assalta-me um pensamento tão frequente nas cabeças dos portugueses quando confrontados com as notícias loucas que nos chegam dos quatro cantos do mundo: que sorte a nossa ter nascido aqui. Num país em paz, desenvolvido, democrático. Somos pobres, endividados e mal pagos, mas, ainda assim, que sorte a nossa. Não nos podemos resignar, mas de quando em vez é mesmo bom lembrarmo-nos disto. E já agora, recordá-lo aos nossos filhos para que não deem tudo por garantido.
(Crónica publicada na VISÃO 1261, de 3 de maio de 2017)