É meia-noite. Em ponto. Lá fora, um parque infantil colorido, algumas árvores, cinco paus de bandeira e umas luzinhas ao fundo que marcam o fim da aldeia. Isto para baixo, para sul, porque para cima e para o norte há a Mata Nacional de Barão de São João, todo um programa, diz-nos quem conhece.
Aqui mesmo, onde estacionámos o carro-casa-escritório, temos dois candeeiros de iluminação pública que fazem do largo em frente ao centro cultural uma mancha amarela na escuridão da noite. É o nosso poiso por esta noite, cortesia da junta de freguesia. Fica um pouco longe das casas, mas perto do verde e de uma casa de banho de que nos deram a chave.
Já não devem estar os 18 graus de há umas horas, fazia menos frio quando chegámos. Mas está-se bem na autocaravana que ainda tratamos por carrinha, camioneta, coisa. [bem dizia a Sara Belo Luís que é urgente arranjar-lhe nome e condigno] Que não tema quem decidir aventurar-se no caravanismo – colegas da redação incluídos. Isto faz-se. Pelo menos a parte de carro-escritório.
Falta testar a funcionalidade da “casa”. A cama, o duche, a retrete (sim, tem uma bela retrete que roda para vários lados para facilitar a circulação da casa de banho, o pior é a cassete, e não é de música, mas disso falaremos noutra altura), o lava-loiças, o frigorífico. A ver, uma vez mais. Sem pressas.
Estamos há quatro horas e meia em Barão de São João e já deu para perceber que vamos ter histórias para contar. Só esta noite, houve um atelier de bordadeiras que trocam pontos e linhas entre as 9 horas e a meia-noite. E uma aula do Pólo de Guitarras dada por Gonçalo Duarte, o professor aqui fotografado pelo José Carlos Carvalho, vinte miúdos que, em conjunto com os restantes polos (há um por concelho), se transforma na Orquestra Juvenil de Guitarras do Algarve. “É bom que existam estas coisas porque Barão é uma aldeia que um dia pode acabar”, ouvimos a Yakima Schwehger, 14 anos, filha de uma alemã e de um suíço que vieram viver para a zona há 25 anos. Um alerta em cara de estrangeira e sotaque algarvio.
Já passava das 9 um bom bocado quando chegámos à porta do restaurante O Beiral e entrámos pela cozinha, como deve ser. Olimpia, a dona, a cozinheira e a alma desta casa de bem comer italiana não leva as mãos à cabeça, mas diz com um sorriso: “Não sei o que aconteceu hoje, está muita gente.”
E está. Uma mesa de holandeses, outra de espanhóis, uma terceira de ingleses. Todos em grupo, bem postos, alegres mas pouco barulhentos, e todos à espera, como nós, dos pratos deliciosos desta italiana que vai ter de nos contar a sua vida mais os truques que emprega por exemplo no pato com gengibre e legumes ou na massa mar e terra. Não se ouve uma palavra de português à nossa volta. Mas à saída, quando coincidimos com o grupo de holandeses, os cumprimentos saem-lhes sem sotaque.
Às 11 e muito da noite, as ruas estão silenciosas. Ainda colocamos a hipótese de estacionar a autocaravana mesmo defronte da igreja, no espaço entre a porta e o acesso ao cemitério. José Manuel Silva, secretário da junta, deu-nos o amén, mas por pouco movimento que a terra tenha, optamos pela opção B, a do centro cultural. Acordar ao som das camionetas que ali passam a apanhar e a largar passageiros é capaz de não ser a melhor maneira de começar o dia. Aqui, a três passos da mata, deve haver passarinhos a cantar logo de manhã.