O vencedor parecia encontrado, com o máximo de votos do público e da crítica, quando surgiu um ‘escândalo’ digno dos meandros do futebol português. A melodia de Canção do Fim, de Diogo Piçarra, não é afinal de Diogo Piçarra, mas de um pastor da Igreja Cristã Nova Vida.Independentemente da intencionalidade da cópia, Diogo Piçarra resolveu (e bem) retirar-se antes que a autoria lhe fosse retirada. A melodia, diga-se, é tão pobre e banal que significaria um retrocesso, até embaraçoso, caso tivesse sido escolhida para representar Portugal na Eurovisão.
Perante a desistência do grande favorito, quatro outras canções perfilam-se na linha da frente para chegar à competição europeia.
Só por Ela, Peu Madureira (música e letra de Diogo Clemente)
Representa a quota do fado no Festival. Canção simples e bem construída, interpretada em tom fadista por um dos nomes do meio, Peu Madureira, e autoria de um dos mais destacados compositores de fado da sua geração, Diogo Clemente. Teve a pontuação máxima do público e esse poderá ser o seu maior trunfo. Não só porque a música em si é fácil de agradar como, por certo, o meio fadista, conhecido por ser aguerrido, tratará de entupir as linhas da RTP.
Sem Nome, Janeiro
Um homem e uma guitarra. Produção e arranjos totalmente despojados, à semelhança da imagem que quer transmitir o seu autor. É aquele que mais se parece com Salvador Sobral na presente edição. Não só pelo despretensiosismo e eficácia da música, mas sobretudo por uma certa atitude. Janeiro, contudo, não se livra de poder ser considerado uma espécie de sucedâneo ou produto branco de supermercado, incomparavelmente distante do original. E a sua atitude – chegou a comer uma banana enquanto estava a ser entrevistado -, vai além do blasé e confunde-se com desrespeito pela instituição que o recebe. Pelo que, não obstante a qualidade da canção, poderá ser prejudicado nas votações.
O Jardim, Cláudia Pascoal (letra e música de Isaura)
Conciliou o gosto do público e do júri na segunda semifinal, ficando apenas atrás do desclassificado Diogo Piçarra. Composta por Isaura, com uma interpretação muito sensível de Cláudia Pascoal, um momento de rara beleza do festival, em que se fala do amor para além da morte. Musicalmente, aproxima-se do trip-hop, ficando a sensação de que, numa versão mais longa, o tema seria ainda melhor.
Para Sorrir não Preciso de Nada, Catarina Miranda (música de Júlio Resende, letra de Camila Ferraro)
A boneca de trapos que entrou dançante e tímida pelo palco da RTP chama-se Catarina Miranda e tem uma notável carreira a solo em que assina com o nome de Emmy Curl. Desta vez, a música foi composta pelo pianista de jazz Júlio Resende, com letra de Camila Ferraro. Dentro da sua aparente simplicidade, está cheia de subtilezas, que marcam a diferença, em termos melódicos, harmónicos e também performativos. A sua vitória no certame seria a mais agradável surpresa.
E algumas notas sobre o festival…
A aposta na repetição do formato defendido por Nuno artur Silva foi inteligente. Esta edição do festival foi particularmente heterogénea, com canções para todos os gostos. Também foi uma celebração da lusofonia, em todo o seu esplendor. Não só porque a quase totalidade das canções foi interpretada em português, mas também porque se abriram as fronteiras para o Brasil e África Lusófona. O resultado só pode ser bom. Será difícil ou quase impossível repetir o fenómeno Salvador Sobral na Eurovisão, mas até há alguma probabilidade de se conseguir a segunda melhor classificação de sempre.