JL: A sua carreira a solo é caracterizada pela experimentação, nomeadamente, pela harmonização da guitarra portuguesa a outras culturas e estilos musicais. O que o fez partir para a tradição musical indiana?
António Chainho: Este projecto vem no seguimento da terceira fase da minha carreira, que passa precisamente por tentar promover ao máximo a guitarra portuguesa. Esta fase, que já vai quase há 20 anos, partiu da ideia de abrir as primeiras escolas de ensino de guitarra em Portugal e de optar por uma carreira a solo. Um dia o Paco de Lucia disse-me que nós tínhamos que nos impor, fazer como ele e convidar outros artistas. Lisgoa parte dessa ideia e vem na sequência do primeiro trabalho que gravei para a Movieplay. A Fundação Oriente proporcionou-me várias visitas à Índia, onde após algumas actuações, diversas pessoas mostraram interesse em aprender a tocar guitarra portuguesa. Comecei a ter contactos com grandes músicos indianos e a pensar que seria possível realizar esta ‘viagem’.
Mas tem um gosto particular pela música indiana?
Claro. Mas atenção, a música indiana tem centenas de tradições musicais, é uma coisa impressionante. Eu procurei aquelas que se adaptassem melhor à guitarra portuguesa.
Os instrumentos tradicionais indianos, tal como a guitarra portuguesa, têm uma sonoridade muito própria. Como os conciliou?
Tive que escolher um repertório que não chocasse, especialmente entre a guitarra portuguesa e a sitar, que são dois instrumentos de cordas de aço. No meu disco não há choques, são dois gritos de alma diferentes.
A sua guitarra acompanhou ilustres músicos. Actualmente a situação inverte-se. Este é o lugar próprio da guitarra portuguesa, ou é o lugar próprio da sua guitarra portuguesa?
Não. A guitarra portuguesa esteve no ‘gueto’ porque os próprios fadistas não gostavam que ela saísse dali. Quando se tocava um solo, normalmente os guitarristas brilhavam mais e eles não gostavam disso. Tivemos grandes solistas que tinham de estar agarrados ao fado, e depois só sobreviviam os fadistas. Eu tentei libertar a guitarra desse ‘gueto’, e consegui.
O conceito do álbum remete para uma viagem de Descobrimentos. Numa época de globalização, considera que a música tradicional deve libertar-se das suas raízes?
A música tradicional deve libertar-se, mas as raízes têm que ficar bem seguras. Na área do fado estamos a lutar para isso. Há pessoas que me dizem que eu já não quero saber do fado, mas não é isso. O fado está bem encaminhado e oxalá seja reconhecido pela UNESCO como património da humanidade; a guitarra portuguesa é que não é conhecida.
É curioso constatar que percorreu uma longa viagem: desagregou a guitarra portuguesa do fado para vários estilos musicais, mas ainda não a introduziu na música alentejana, que faz parte da sua origem. Para quando um regresso a casa?
No disco com a orquestra de Londres, tenho um trabalho que se chama Voando sobre o Alentejo; no disco ao vivo há o Fado Alegre do Alentejo, também no primeiro disco com vozes, a Valsinha Mandada, uma música da minha terra. Cheguei inclusive a pensar em fazer um disco de música alentejana, e não é algo que esteja completamente fora de questão.