Quem sou?
Nos dias bons sou muitas coisas, nos outros sou o que se pode arranjar. De dia trabalho numa universidade, ao computador ou no laboratório, à noite leio e escrevo que é quase a mesma coisa. Nasci na Figueira da Foz e estudei em Coimbra, vivi um ano em França, quatro anos em Florença e depois voltei para junto do mar onde gosto de viver.
Sempre tive muitos interesses diferentes: os livros, a ciência, a música, o teatro. Experimentei-os a todos, de forma amadora ou mais séria, porque me intrigam os mecanismos da criação e gosto de ver surgir algo que ainda não existe. Alguma coisa de nada, como as palavras que saem dos dedos ou ideias que ganham forma e movimento.
2) Porque escrevo?
Os primeiros textos literários que escrevi nasceram com a distância e o isolamento, quando fui viver para as montanhas do Jura, junto à fronteira com a Suíça. Os contos faziam-me companhia e davam-me um rumo às horas, permitiam-me convocar personagens que me faziam falta.
Com o tempo passaram a ser os textos a convocar-me, as ideias surgiam e pediam uma mão que as fixasse e lhes vestisse as melhores palavras. Um dia, após um desafio da Maria do Rosário Pedreira, as ideias organizaram-se num romance e a escrita tornou-se mais séria, comecei a escrever para que alguém me lesse.
Escrevo porque não sei dançar nem tocar as minhas ideias, e há que expurgá-las, é uma maneira de as deixar ir à vida delas e de arranjar espaço para outras.
3) O que é este livro [No Meio Peito Cabem Pássaros]?
Este livro nasce de uma pergunta que fiz a mim próprio e às minhas personagens. Como se faz um escritor? Que caminho de uma inquietação ao seu apaziguamento? Enquanto procurava uma resposta fui percebendo que não há apaziguamento, só novas dúvidas e palavras que vinham de lugares que eu ainda não conhecia.
O livro percorre momentos da infância e da juventude das personagens, são instantâneos que imaginei e que considero absolutamente reais. Dois escritores e uma personagem que desviei para a minha história, o Fernando, o Jorge e o Karl, homens atrapalhados com a vida, desajustados, como toda a gente em algum momento. A escrita, como a música, a pintura ou a ciência, têm essa estranha virtude de fazer das angústias de um homem a felicidade de muitos. É com essa intenção, ou essa ilusão de beleza, que se faz um livro, depois falha-se e talvez se faça outro. Se “falharmos cada vez melhor”, como na exortação de Beckett, pode ser que um dia se lembrem de nós. Este livro é sobre três homens que falharam toda a vida.