“Partilhar experiências entre todos os membros da associação com o objetivo de fortalecer o sistema, de modo a permitir uma aquisição maior e mais rápida do conhecimento” – eis, nas palavras de Helena Nazaré, o principal papel da Associação Europeia de Universidades (EUA, na sigla inglesa) para a qual acaba de ser eleita. Cabe-lhe liderar, durante três anos, os mais de 850 membros, oriundos de 47 países. Helena Nazaré vê as universidades como fatores chave do desenvolvimento das nações. E afirma que, em tempo de crise, elas podem e devem contribuir para a recuperação económica e para a construção de uma maior coesão social.
Licenciada em Física pela Universidade de Lisboa e doutorada pelo King’s College, de Londres, Helena Nazaré há muito que está envolvida nas questões da gestão do Ensino Superior, tanto em Aveiro, de cuja Universidade foi reitora de 2002 a 2010, como em vários outros cargos nacionais e internacionais que entretanto ocupou. Desde março de 2009 membro da direção da EUA, foi até agora sua vice-presidente. Além disso é diretora da Escola Superior de Saúde e vice-presidente do conselho cientifico da mesma Un. de Aveiro, além de presidente do Comité para a Investigação e Transferência de Conhecimento do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. Tem tido ainda uma vasta colaboração com a OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico) e com a Associação Europeia para a Qualidade do Ensino Superior.
Acaba de vencer o candidato dinamarquês, Lauritz Holm-Nielsen, na corrida à presidência da Associação Europeia de Universidades. Qual é a importância deste cargo para si?
Nos últimos dez anos dediquei-me à gestão do Ensino Superior e tenho-o feito com muito interesse e gosto. Para mim, este é um cargo importante na medida em que me dá um maior sentido de responsabilidade para os anos que se aproximam. Por outro lado, este mérito não é só meu. Tenho que agradecer à universidade portuguesa. Costumo dizer que sou ‘produto da casa’. À parte o facto de me ter doutorado em Inglaterra, toda a minha formação e carreira foi feita em Portugal e penso que esta é uma vitória para todos nós. Recebi uma enorme ajuda e dedicação por parte do CRUP, Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. Fizeram um trabalho extraordinário. Esta vitória a eles se deve.
Como vê hoje o papel das universidades na Europa?
As universidades são fatores chave nesta nova economia do conhecimento. Sempre foram mas, de há dez anos para cá, quando se percebeu que a Europa tinha que se transformar numa melhor economia baseada no conhecimento, as universidades começaram a aparecer na ribalta. Não por acaso, mas porque treinam os trabalhadores do conhecimento, as pessoas que vão participar nas cadeias de inovação. Penso que com a crise profunda que se abateu sobre a Europa as universidades ganharam uma importância maior ainda.
Em que medida?
Porque podem e devem contribuir para a recuperação económica e para a construção de uma maior coesão social.
O desemprego atinge muitos jovens licenciados. Que soluções apresenta a universidade enquanto instituição?
Há desemprego na Europa toda e os licenciados não são diferentes das outras pessoas ao serem apanhados por uma economia em recessão. Como é óbvio, numa Europa em crise, os licenciados não têm, por artes mágicas, maior capacidade do que os outros de se empregarem, mas estão muito menos tempo no desemprego e podem mais efetivamente contribuir para a regeneração do tecido económico sendo eles próprios empreendedores. Eles têm as competências que mais facilmente podem ser atrativas para o mercado de trabalho quando este começar a recuperar. Além disso, os licenciados são mais capazes de criar o seu próprio emprego. Estes dois fatores são determinantes. As universidades são fundamentais na definição do tipo de competências que dão aos seus alunos e estas têm-se alterado profundamente nos últimos anos. Por outro lado, as universidades sendo socialmente responsáveis, não podem deixar de contribuir para a existência no país de licenciados em áreas fundamentais da sua cultura e desenvolvimento. Não podemos passar sem licenciados em Filosofia. Ficaria muito preocupada se as universidades trabalhassem unicamente para o mercado de trabalho. É preciso haver de tudo. Felizmente, em Portugal, temos alguma regulação por parte do ministério da Educação.
Como descreveria, em termos gerais, o papel da EUA?
Os princípios da associação baseiam-se na partilha de experiências entre todos os membros com o objetivo de fortalecer o sistema, de modo a permitir uma aquisição maior e mais rápida do conhecimento. Temos exemplos muito diversificados. Os processos de gestão das universidades são muito diferentes no Reino Unido, na Europa Central ou na Europa do Sul. Recentemente temos muitos membros da Europa de Leste onde os problemas que se põem são também diversos.
Foram muito importantes na implementação das reformas de Bolonha…
Acredito que fomos determinantes. A EUA tem sido a voz das universidades da Europa e é isso que eu pretendo continuar a fazer.
De que maneira?
Desde logo porque fazemos projetos de investigação sobre os diferentes sistemas de ensino superior na Europa. Temos o maior banco de dados a este respeito, acompanhado da respetiva análise. Pretendemos continuar a fazê-lo. Atravessamos um momento de discussão dos problemas da reorganização da rede. No Norte da Europa houve fusões entre universidades e se umas correram muito bem, outras nem por isso. A associação procura entender os mecanismos determinantes para o sucesso, nuns casos, e para o insucesso, noutros.
O facto das universidades europeias serem postas em rankings preocupa-a?
Penso que os rankings são instrumentos que podem ser usados para a melhoria do sistema, mas também o podem destruir. Um dos papéis da associação – num projeto desenvolvido no último ano – é um estudo aprofundado dessas questões. Temos que aproveitar o melhor que existe nos rankings como instrumentos mas, ao mesmo tempo, aprender a evitar os seus perigos.
Que outros aspetos pretende desenvolver?
A internacionalização é uma área de intervenção que considero muito importante. Estamos a preparar a abertura da associação e do sistema europeu ao norte de África. Procuramos partilhar experiências com países, que não sendo europeus, têm connosco uma proximidade cultural. Também pretendemos trabalhar na atração e manutenção de talentos para a Europa – esse foi, aliás, o tema da última conferência da EUA.
Como avalia o estado das universidades portuguesas em relação às europeias?
As nossas universidades são tão boas como as europeias. Temos exatamente as mesmas capacidades ou, em algumas áreas, até melhores. Temos um sistema diferenciado. As nossas melhores universidades são equivalentes às melhores europeias. Não tenho nenhuma duvida sobre isso.
Que modelo de gestão universitária considera mais interessante?
A maioria das universidades dos países da Europa – com exceção do Reino Unido – implementaram nos últimos cinco anos mudanças nos processos de governo. Portugal também o fez. E, neste momento, parece haver um consenso de que o nosso modelo tem muitas vantagens. Mas vamos ter que olhar para os resultados dentro de cinco ou seis anos. Há algumas diferenças entre os modelos espanhol, francês, finlandês, holandês… Trabalhamos para perceber o que de melhor se pode aproveitar em cada um. Parece-me que caminhamos no sentido correto.
Como funciona o que é utilizado em Portugal?
Trata-se de um modelo de governo duplo, temos um conselho de gestão, que determina o desenvolvimento estratégico da universidade. Este escolhe o reitor que é a figura de governo dentro da instituição, onde as decisões académicas e científicas são tomadas.
O que gostaria que a universidade, enquanto instituição, se tornasse?
Gostaria que o ensino universitário, globalmente, se afirmasse cada vez mais como motor do desenvolvimento. As universidades não formam só engenheiros, médicos ou doutores. Formam cidadãos. Esse é dos papéis mais importantes que têm que desempenhar. Nos últimos anos, com uma pressão económica tão grande sobre o sistema, essa preocupação não desapareceu, mas talvez tenha sido pouco valorizada pela própria sociedade. As universidades têm um papel fundamental na formação dos seus líderes. Acredito que os valores da cidadania têm que estar na base de atuação de qualquer elite.