Só essa visão de conjunto revelou serem êxitos o que pensáramos ser falhanços. Êxitos que só poderiam culminar, afinal, como previmos, na criação da sociedade iletrada, ignorante, sem valores, passiva em que cada vez mais estamos a viver.
Vejamos o caso da leitura, “porventura a maior das invenções humanas”, como escreveu Carl Sagan, num dos mais iluminantes livros do século XX, Cosmos. Em Portugal, país em que só entre 1940-1970 50% dos homens passaram a ser capazes de assinar com o nome o registo de casamento, foi sempre pequeno o número dos que liam. Razão crucial para que em Abril de 74 tivesse sido assumido o desafio nacional de uma verdadeira alfabetização do País, concomitante com o da abertura da Escola a todas as crianças.
Mas fez-se o contrário. Deixou-se de ensinar os miúdos a ler. A pedagogice, o ensinar a brincar, o facilitismo igualitarista, fizeram com que uma percentagem horrorosa de crianças terminasse o Básico sem aprender a ler. Essa percentagem era de 30% em 2002, no auge do eduquês, quando a governante da época impediu os alunos portugueses de participarem nas provas comparativas internacionais para que não fosse conhecido o resultado do plano sinistro em curso.
Se juntarmos a essa percentagem os 40% de abandono escolar de então (percentagem que só viria a baixar com os cursos de formação profissional que tiveram de tolerar em algumas escolas…), perceberemos o país em que hoje estamos a viver.
Crianças condenadas para sempre ao insucesso escolar e à desqualificação, precisamente na idade cognitiva, dos três aos dez anos, em que tudo se aprende, em que a leitura, tal como as regras básicas da Educação e do civismo, devem ser ensinadas e praticadas. Idades em que a exigência pode e deve ser um imperativo na escola. Mas fez-se, criminosa ou irresponsavelmente, o contrário.
Repare-se que em 1940, numa época em que o número de crianças escolarizadas era abissalmente menor do que hoje, o jornal infantojuvenil O Mosquito chegou a atingir tiragens de 80 mil exemplares! E em 1912, Raúl Brandão, nas Memórias, referia: “O Século, disse-me o Avelino d’ Almeida, tem tido tiragens de 160 mil exemplares”. Quem eram, então, esses leitores? Valeria bem a pena caracterizá-los.
E foi-se assistindo nos últimos 30 anos à queda exponencial das tiragens dos jornais. Leitura essa substituída pela leitura noutros registos? Não.
Relativamente às grandes obras de referência que vão surgindo internacionalmente nas várias áreas do conhecimento, está já a verificar-se a inviabilidade da sua publicação em Portugal, pois o número de exemplares vendidos não chega sequer, regra geral, para cobrir os custos de tradução.
O que vários indicadores vão mostrando é, pois, que a Escola, as universidades, nem estão a reproduzir esse pequeno número de leitores que havia.
Suponho poder avançar mais um curioso indicador do que afirmo. Tendo lançado edições digitais das suas publicações, uma empresa editorial de referência na comunicação social verificou que os leitores nesse registo se inserem não, como seria de esperar, num grupo etário mais novo, mas no mesmo grupo etário dos que leem as edições em papel.
A explicação que pensam ter encontrado, segundo julgo saber, atribui o facto a uma deficiência de conceção desses meios digitais que criaram. Mas não é isso. A explicação deve ser antes procurada no facto que venho sustentando: a Escola, as universidades, não reproduziram, não estão a reproduzir o pequeno número de leitores que havia.
Fiel a si própria, no entanto, contra todas as evidências da ciência, dos números, da realidade e da necessidade, a Associação dos Professores de Português, cúmplice e instrumento da tragédia do iletrismo crescente, apressou-se já a atacar a tímida proposta do ministro da Educação para enfrentar a chaga, agora em discussão pública. Veremos quem a defenderá, que tempos aí vêm…