1) Entramos neste 40º ANO de publicação do JL* com os objetivos de sempre, na fidelidade aos valores e princípios de sempre, com o esforço de qualidade sem elitismo de sempre, no combate por causas e com o espírito de ‘resistência’ de sempre.
Entre estas causas está a defesa da lusofonia, defesa e luta em que julgo termos sido pioneiros, ao nível dos media. E naquele esforço de qualidade se inclui o da valorização do que entendemos de facto novo, sem cedências oportunísticas ou demagógicas a simples modas, ao que está a dar e pode ser até dominante em alguns círculos muito intelectuais.
Tendo sido o JL criado e desde a sua fundação dirigido por quem estas linhas escreve (no que, para o bem e para o mal, já constituirá um recorde em que só agora reparo…), é natural que ao longo do tempo várias vezes aqui tenha referido tais objetivos, valores, etc. Por isso não vou agora desenvolver esses tópicos. Recordo apenas que a literatura, a arte e a cultura portuguesas, e em língua portuguesa, são o nosso grande tema e foco de atenção. Visando não só, ou não tanto, divulgar como fazer conhecer, compreender – e, mais ainda, quanto possível, gostar, ou mesmo amar. E por isto mesmo colocamos em primeiro plano a criação, a obra criada e os criadores, pretendendo que tenha tal primordial finalidade em vista o que sob várias formas se escreve e publica.
2) Sem prejuízo do atrás dito sobre o que aqui já terei citado dos nossos propósitos, há umas linhas que estou quase certo nunca reproduzi e o texto do Presidente da República, na página seguinte, me lembrou. Linhas do último dos seis parágrafos em que no nº 1, tendo ao cimo apenas JL, eu dizia ao que vinha o novo jornal, em coluna a abrir esta mesma p. 2:
“Sem dúvida o JL é uma aposta e um desafio. Contra muitas coisas, entre as quais se contam o obscurantismo, o sectarismo, a intolerância, as ‘guerras de alecrim e mangerona’ de um certo subdesenvolvimento mental. E a favor de muitas outras, entre as quais avultam a mudança de mentalidades e as transformações culturais que se impõem e que o 25 de Abril – também nossa razão de ser e de existir – ainda não conseguiu realizar.”
Não vou, claro, comentar o texto de Marcelo Rebelo de Sousa, apenas sublinhar e agradecer a sua generosa colaboração. E revelar o que pode contribuir para a inteira compreensão do título que lhe deu. É que ao meu convite/pedido para colaborar neste nº ia associada a sugestão de ser com a sua “Autobiografia”, para a secção do mesmo nome, de grande êxito entre os leitores, durante anos publicada regularmente, o que agora queremos volte a acontecer.
O Presidente Marcelo, que além de catedrático de Direiro e político é um homem de cultura e de literatura (o seu dominical programa de televisão era o único, em horário nobre, que falava de, e aconselhava, livros!), correspondeu ao solicitado – a autobiografia que escreveu, porém, é de outro género…. Excelente. Mas agora fico com a esperança que, daqui a um ano, quando tivermos os 40 anos “completos”, tenhamos mesmo a sua autobiografia pessoal. Esperança e convicção de que teremos mesmo.
3) E assim entrei no objetivo fundamental desta prosa introdutória: falar da edição que o leitor tem nas mãos e do que pretendemos seja este 40º ANO do nosso jornal, interligando as duas coisas. Uma das intenções é que até março de 2021 haja em cada edição matéria(s) que reportem à edição correspondente do nosso primeiro ano, essencial pela qualidade, novidade, e sólida raiz que ficou a constituir. O que será feito mormente pela presença em cada uma delas, por diversas formas, de colunistas, cronistas e colaboradores destacados desse primeiro ano, bem assim numa secção em que se referirá o mais relevante ou interessante de cada uma das 26 primeiras edições, com eventuais comentários ou notas sobre os autores – como já se faz, quanto ao nº 1, na p. 5.
Ora, quanto à presença hoje, nestas páginas, de grandes figuras já presentes no nº 1, destaco duas: Eduardo Lourenço (EL) e David Mourão-Ferreira (DMF). O incomparável EL, ao longo das décadas sempre nosso colunistas, na edição inicial assinava o primeiro texto ensaístico: “Encontro com Jorge de Sena” – a que se seguiam três poemas inéditos do autor de As Evidências. Não se podia principiar melhor…
E o texto de EL, nas pp. 13/14, está à altura desse melhor do escritor/criador que também é, Prémio Camões em 1996. Um excelente texto inédito, – mais um “salvo” e transcrito por João Nuno Alçada (JNA), a quem a recuperação de parte da obra lourenceana tanto fica a dever -, escrito numa madrugada de dezembro numa estação de comboio na Alemanha… Pormenorizando: no acervo organizado por JNA há, ainda inéditos: um texto, sem título, mas com a indicação de EL “Notas de leitura ao Mundo Original – 2 h.[oras] da manhã na sala de espera da estação de Zurich – 22 Dez.[embro] [19]57” – sendo Do mundo original, como se sabe, um livro de ensaios de Vergílio Ferreira; outro com o título “Vergílio Ferreira e a Geração da Utopia”, e as indicações “1ª versão. Zurich – na estação da meia noite às seis da manhã de 22-XII-57”; e um terceiro, com o mesmo título mas dizendo “2ª versão, Zurich – na estação das 12 [24] às 6 da manhã de 22-XII-57”. É este o texto que à frente publicamos, dado não poder EL neste momento, por razões de saúde, escrever algo especial para esta edição, como tenho a certeza faria se pudesse.
Quanto a David Mourão-Ferreira logo no nº 1 iniciou a sua coluna, que se manteve anos, “O amador de poemas”, traduções suas sobretudo de poetas clássicos, com um texto sobre elas e o autor traduzido – no caso “A confissão do poeta”, do chamado Arquipoeta de Colónia. Ora, tendo saído recentemente a sua Obra Poética completa, num só volume, ‘aproveitamos’ para a destacar, bem assim às outras vertentes do seu multímodo talento de artista da língua, em textos de António Carlos Cortez, Miguel Real, David Ferreira e Nuno Júdice.
4) O artista de maior relevância em toda a história do JL chama-se João Abel Manta (JAM). E ninguém como ele marca o jornal, desde o início, da imagem que também é conteúdo. Dele foi, e continua a ser, o nosso logotipo, foram as capas e todas as ilustrações dos excecionais dez primeiros números. As capas dos cinco iniciais exatamente com números – uma “marca” tão forte que nas principais edições comemorativas ao longo do tempo lhe pedi os utilizasse nas capas que também para elas fez.
Não estando hoje João Abel em condições, também por razões de saúde, de por essa via participar nesta edição, pedimos a outro artista de primeiríssima linha, José de Guimarães, para ser ele o autor da capa desta edição, mantendo essa tradição. E assim é, como na próxima, em que ele próprio será “protagonista”, por múltiplas razões que o justificam, entre elas encerrar no fim do mês a mostra da sua formidável Obra Gráfica, na Biblioteca Nacional, enquanto tem uma exposição em Xangai e e maio terá outra em Zurique. Mas João Abel está nestas páginas, com a reprodução dum seu belo retrato de Antero de Quental e do desenho sobre Eça, que só por si dão a dimensão do artista e cartoonista que é.
Este seu Eça ilustra o primeiro texto de uma “série” em que Carlos Reis, nos 40 anos do JL, nos dirá das suas 40 personagens de eleição da literatura portugues. O que significa o regresso ‘permanente’ da coluna “Trabalho de Casa” de um dos nomes cimeiros dos estudos literários em Portugal, colaborador logo do nº 2 do JL, como Nuno Júdice – do que falaremos na próxima edição. Na qual, também, sob o signo do 40º ANO, temos outra ‘novidade’: o início de um inquérito sobre os livros, filmes e discos portugueses mais importantes destas quatro décadas – de (19)80, 90, (20)00 e 10.
5) Falamos em grafismo, e dentro da linha de periódica renovação, sem rutura, que praticamos, o leitor notará hoje algumas mudanças, que pensamos melhorar a sua imagem e legibilidade. E que se ficam essencialmente a dever a João Carlos Mendes, editor de grafismo da VISÃO e de outras revistas da TIN, e que começou exatamente aqui no JL – que hoje tem nesse setor a mais jovem grafista do grupo, Patrícia Pereira.
Novidades que muito nos honram e constituem assinaláveis “mais valias”, são as colunas, que agora se iniciam, de Marco Lucchesi e Tiago Rodrigues. Marco é o presidente da prestigiosa Academia Brasileira de Letras, o que só por si diz muito, poeta, romancista, ensaísta, crítico, tradutor, doutorado em Literatura e Filosofia, prof. titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com uma vasta obra, distinguido com três prémios Jabuti, traduzido em vários idiomas, dominando 20 línguas, a sua colaboração fortalece também a sempre desejada presença do Brasi nestas colunas. Tiago, atual diretor do Teatro D. Maria II, é um nome cimeiro de criador – autor, encenador, ator – nessa área, já com assinalável carreira e projeção internacionais. Mas, além disso, estou certo que o artista a que em 2019, aos 42 anos, foi atribuído já o Prémio Pessoa, será singular também na escrita e nas crónicas que, como o seu título genérico indica – “Pela estrada fora” – muitas vezes poderá refletir o seu peregrinar profissional. Sublinhe-se que mesmo esta primeira foi escrita em S: Paulo, onde está em trabalho, após digressão por outros países, e no verão dirigirá uma peça, adaptação sua de dois romances de José Saramago, na Royal Shakespeare Company, em Londres.
6) Cronistas do JL foram, ao longo do tempo, nomes maiores da literatura e da cultura portuguesas. Foram e continuam a ser, como se prova nesta edição com todos os que aqui escrevem. Por o espaço não o permitir, não posso aqui individualizar excelentes textos que à frente lerá, e à maioria dos seus autores já em outras ocasiões me referi. Uma outra boa notícia: a crónica de António Mega Ferreira, que além de muito mais e mais importante foi chefe de redação do nosso jornal, passa a ser regular, em quinzenas alternadas – e por isso o seu novo título, “Antes que o mês acabe”, em vez do anterior “De vez em quando”.
Três últimas notas. A primeira para referir as entrevistas com duas personalidades tão excecionais como diferentes – Amin Maalouf e Maria João Pires – que também muito valorizam esta edição. A segunda para sublinhar que na secção “Inéditos”, uma das que foram rareando e queremos que voltem, temos o gosto de publicar textos de duas figuras muito relevantes da lusofonia: Alberto da Costa e Silva, poeta, memorialista, historiador de África, diplomata, Prémio Camões em 2016, e Jorge Carlos Fonseca, poeta e ficcionista, jurista, atual Presidente da República de Cabo Verde e da CPLP. A terceira para manifestar a vontade de continuar a desenvolver a parte das “ideias” do jornal. Como sucede, ainda nesta edição, com o expressivo texto de Isabel Mota, a presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, sobre a decisiva questão climática e o Prémio para a Humanidade agora criado pela instituição que é talvez a mais credora do reconhecimento dos portugueses.
E, já agora, um ‘esclarecimento’: não solicitamos a ninguém qualquer referência aos 40 anos do JL. Quem os referiu, fê-lo por sua própria iniciativa.