Há momentos na vida em que um tipo se arrepende da fisicalidade da existência.
A realidade virtual é muito mais segura e higiénica.
Os vírus tratam-se com o reset do disco rígido, a melhor vacina é fazer um backup, só para não perder a identidade.
Desde que encontrara aquelas cartas, Eduardo era Lisa Paris, alter-ego de Susana, mas a realidade estava ali para o desmentir.
A realidade só atrapalha. Ao partir para o encontro, ainda lhe passou pela cabeça enfiar uma cabeleira loira -que disparate, não há photoshop para o tête-à-tête e a maquilhagem não faz metade do que se lhe pede, sobretudo quando o objetivo é tornar um homem barbudo numa mulher bonita.
Os perfis falsos são apenas possíveis no facebook.
Eduardo esperou por Jorge no sítio combinado, como se fosse Lisa. Sentou-se na esplanada do centro comercial, pediu um café e uma cerveja, e ficou à espera, para ver o que acontecia. Reconheceu Jorge pelo seu ar hesitante, era bastante diferente das imagens que punha no facebook e daquelas outras que tinha em casa, ao lado de Susana. Olhou para a esquerda e para a direita e acabou por se sentar duas mesas à frente da sua. Tirou do bolso uma máquina de fumar e permaneceu hirto, desencontrado das costas da cadeira.
Quando o empregado de mesa apareceu, viu–se forçado a pedir qualquer coisa, uma água das pedras. Agitado, consultava o telemóvel e olhava em volta, em busca de um sinal de Lisa. Mal olhava para ele, não o via enquanto Lisa, mas ele via-o enquanto Jorge. O seu desfasamento físico sempre lhe trazia alguma vantagem. Chegou a pensar em levantar-se, em ir ter com ele, mas sabia que, embora cada vez se sentisse mais Lisa, tal não seria possível, que só virtualmente poderiam coexistir.
Ao fim de 45 minutos sentado na inóspita esplanada interior de um centro comercial aglutinado, Jorge levantou-se e, de cabeça a medir os passos, foi-se embora. Eduardo ficou desiludido, pensou que ele esperaria mais tempo. As mensagens do facebook davam a entender que esperaria por Lisa a vida inteira.
Eduardo ainda permaneceu ali sentado, meditabundo, assombrado com o acesso de realidade, talvez esperando que, por algum milagre, a verdadeira Lisa, a Lisa de carne e osso, aparecesse naquela esplanada de centro comercial e se sentasse no lugar vago da sua mesa. Depois também ele partiu. Vagarosamente. Disposto a recuperar a sua existência virtual, a única que realmente lhe interessava.
Quando chegou a casa tinha várias mensagens de Jorge no chat, com tons diferentes, umas mais negras, outros alaranjadas.
Respondeu-lhe: “Eu estava lá, tu é que não me reconheceste. Vi-te a fumar uma máquina, tem cuidado, há quem diga que isso faz pior do que os cigarros. Acho que ainda não estamos preparados para enfrentar a realidade”
MANUEL HALPERN
Opinião