Nunca escreveu poemas ou diários enquanto adolescente. Ana Cristina Silva escreveu o seu primeiro romance Mariana, Ttodas as Cartas, em 2002, em quatro meses, no mesmo ano em que fez o Doutoramento em Psicologia da Educação. Estava já na casa dos 40. “mas foi uma coisa muito rápida, de jovem inconsciente”, como confessa ao JL. Depois disso, já publicou uma dezena de livros. A Noite Não É Eterna é o novo romance, que se junta a títulos como Cartas Vermelhas, eleito livro do ano pelo jornal Expresso e finalista do Prémio Literário Fernando Namora, ou o Rei do Monte Brasil, vencedor do prémio Urbano Tavares Rodrigues.
Jornal de Letras: Tem tratado essencialmente temas portugueses, mas A Noite Não É Eterna passa-se na Roménia. Porquê?
Ana Cristina Silva: Talvez por causa de imagens muito precisas que me ficaram arquivadas.
Que imagens?
Dos orfanatos da Roménia com crianças muito magrinhas e com os pulsos atados às grades das camas, nos anos 80. Outra imagem que tenho também muito clara é o fuzilamento do Ceausescu, que foi ao vivo. Nunca tinha visto.
É também um livro diferente na sua escrita?
Cada livro é um livro. Temos neste uma personagem, Nadia, que lida com a perda num contexto de um regime particularmente opressivo. E eu nunca tinha falado sobre isso. É dentro do meu estilo, mas este romance se calhar é mais linear e tradicional. Mas tem a sua própria voz, essa é sempre a novidade.
Nadia parece viver duas ditaduras...
Sem dúvida. Há dois níveis de opressão no livro: daquilo que se passa na sociedade e em casa. Esses dois níveis interagem, até porque o marido da personagem é um daqueles funcionários de partido que querem subir a todo o custo. Aliás é isso que está na base do drama que aquela mulher enfrenta.
Como é que a descreveria?
Como uma mãe em sofrimento e por causa dessa dor de mãe, fará de tudo.
Ainda que não esteja presente, o filho, Drago, funciona como um fio condutor?
Exatamente. É a motivação, o motor da história. Eu não sou mãe mas acho que é o amor mais incondicional e perder um filho a dor mais profunda.
O seu trabalho na área da educação determinou o interesse por toda a a questão do orfanato?
Sem dúvida. A infância tem muita influência na forma como somos capazes de nos relacionar uns com os outros e aquilo que acontecia nos orfanatos da Roménia necessariamente teve consequências na forma como vivem agora aquelas crianças. E a partir dos livros, por criarem uma envolvência, é mais fácil refletirmos sobre determinada realidade do que a partir de uma estatística. Nesse sentido, os livros são fundamentais para abrirem os olhos às pessoas.
Que projetos se seguem?
Tenho algumas ideias. Já estou a trabalhar num livro que é uma mistura de um romance histórico com um romance contemporâneo, e tenho um outro estruturado na minha cabeça, passado durante o fascismo.