Eternuridade, da coreógrafa Amélia Bentes, estreou em outubro de 2013, no Centro Cultural de Belém e pode agora ser visto nos dias: 10 de maio no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, 23 de maio no Teatro de Vila Real e 4 de julho no Teatro Municipal da Guarda.
A origem deste projeto remonta a 2010 duma criação feita para uma turma de alunos da Escola Superior de Dança, onde Amélia Bentes leciona. O sucesso que obteve foi tal, que subsistiu o desejo de dar continuidade a este projeto artístico e, em 2013, reunindo um grupo de 10 jovens bailarinos recém-formados da turma de 2010, a coreógrafa recriou Eternuridade. O título manteve-se simbolicamente, pois foi aquilo que restou de um acontecimento passado e que deu lugar a um evento presente – uma nova coreografia.
Eternuridade é uma palavra inventada por Luís Gouveia Monteiro que representa “a qualidade efémera do que é terno, do que é há de eterno no transitório” – este conceito foi a inspiração para a exploração coreográfica deste espetáculo: o eterno e o efémero, aquilo que há de eterno em cada momento efémero. Aquilo que permanece de algo que é passado ou presente. Em conjunto pesquisaram diferentes sensações e emoções do que fica daquilo que passa e no espetáculo vislumbra-se apenas aquilo que foi condensado num momento, como se por alguns instantes através daqueles corpos/indivíduos se pudesse congelar algo que é autêntico e real de um momento único. Algo que é de facto verdadeiro e irrepetível que não tem a ver com a forma ou com a estética. Embora haja obviamente nesta coreografia uma linha de movimento característica do trabalho desenvolvido por Amélia Bentes ao longo dos anos, o que importa nesta criação não é a forma visível, é o que acontece naqueles 10 corpos que se expressam dum modo original dentro de uma estética supostamente identificável.
O processo criativo em qualquer criação de dança contemporânea é fundamental e determinante para o resultado, ou seja, o espetáculo. Neste caso foi um processo assumidamente dirigido pela coreógrafa, no qual os intérpretes tiveram que depurar o movimento proposto por ela, mas mantendo aquilo que é intrinsecamente genuíno e puro em cada um dos corpos/indivíduos. Cada um como uma parte de um todo, como se todos fizessem parte de algo que é comum. O comum como essência e como matéria, mas que quando se observa no particular é diferente e único. É a união da diferença que compõe um todo orgânico, há individualidade, mas não há dualidade, todos trabalham em conjunto com o mesmo propósito.
A coreógrafa explora a potencialidade individual como uma possibilidade de ampliação, ou seja, existe uma preocupação em explorar e desenvolver as capacidades inerentes ao indivíduo – em expandir e ampliar a capacidade individual em diversas vertentes. Concentrando-se no particular de cada um dos intérpretes, Amélia Bentes trabalhou ao pormenor a energia máxima de cada movimento buscando na intenção do gesto a sua dramaturgia.
Aquilo a que o espectador assiste são cenas fragmentadas que vêm desta exploração exaustiva da emoção e da intenção imprimida em cada gesto. Nada é feito ao acaso, ou apenas pela forma ou pelo hábito, há em cada movimento do corpo uma intencionalidade emotiva que é levada ao extremo e aquilo que é dado a ver ao público é esse momento único no seu exponencial máximo. A coreógrafa chamou a este processo a construção de uma “geometria dos afetos e das relações”. Este processo implica o cálculo preciso de dois fatores imprescindíveis: a atenção (ao espaço, ao outro, à intenção, à precisão do movimento) e a liberdade (para interpretar, para exprimir emoções, para dar), ou seja os intérpretes estão livres, mas focados.
A dificuldade e a magia da peça está neste mecanismo de energia individual máxima e explosiva, na qual a velocidade e a agilidade de cada um dos intérpretes exige muita entrega, resistência física e psicológica e ao mesmo tempo uma noção do todo que funciona em uníssono. Um espetáculo que transborda de energia e emoção.