Quais são as causas profundas destes êxodos? Como controlá-los e transformá-los de maior desafio a curto prazo para a Europa numa oportunidade excecional de acabar e compensar os terríveis erros que nós, os “ocidentais”, como principais responsáveis, temos vindo a cometer nas últimas décadas?
Mas isto antes que este enorme desafio degenere no maior pesadelo para a Europa desde o fim da II Guerra Mundial, com o regresso em força de regimes fascistas e o desencadeamento de uma III Guerra Mundial, cujo maior preço será pago pela Europa por não ter sido capaz de se constituir como o terceiro pilar global do Mundo, e estabelecer o equilíbrio necessário com o pilar norte-americano (ou anglo-saxónico) e o pilar asiático que se vem construindo a todo o vapor (enquanto o quarto pilar – africano – não venha a construir-se um dia).
A mesa redonda que é o Mundo, com os seus quatro indispensáveis pilares, alcançaria então a estabilidade e harmonia ao contrário do caos para o qual nos estamos todos a encaminhar.
E o mais dramático é que o cenário migratório já em curso, e insustentável a menos que seja feito um diagnóstico correto seguido de um tratamento adequado, já era previsível há trinta anos (jamais esquecerei o encontro que tive em Washington com o antigo Secretário Geral da OCDE, Sr. Jean Bonvin, há cerca de quinze anos, que me disse então que vinte a vinte e cinco anos mais tarde iríamos assistir à maior vaga migratória global de toda a História), tal como eram previsíveis as alterações climáticas (basta lembrar que a Cimeira do Rio data de 1992!), sem que nada, ou muito pouco, tenha sido feito para prevenir as duas maiores catástrofes humanitárias em curso.
Qual a origem do fluxo migratório maciço em direção à Europa e quais as suas causas profundas?
A deslocação em massa das populações em direção à Europa, provenientes de África, do Médio Oriente e da Ucrânia não têm outra causa senão o medo, o terror, o mais profundo desespero quanto ao futuro, a insegurança física, hídrica e alimentar… Já só se trata de sombras, de mortos-vivos em movimento, pois já nada têm a perder e nós retirámos-lhes qualquer esperança num futuro viável nos seus países e regiões de origem.
E porque é que esse terror e esse sentimento profundo de inexistência não lhes faz temer a morte durante o êxodo? Porque, de facto, já se consideram mortos-vivos, sem mais nada a perder? As causas profundas são simplesmente os conflitos que nós provocámos por razões geopolíticas puras e duras, acreditando ingenuamente (e tenho sérias dúvidas sobre esse sentimento) que poderíamos impor democracias “à la carte” e “à bomba”… Passemo-las então em revista:
A – Conflitos versus “Democracia à bomba”
1.A pseudo-primavera árabe com, in fine, tal “cereja em cima do bolo”, a destruição total, o desmembramento e o caos da Líbia que provocou a mais absoluta insegurança na região do Sahel.
2.A destruição do Iraque, da Síria (após a zizania semeada no Afeganistão e, por ricochete, no Paquistão), conseguiram instalar o caos total, o que está sem qualquer dúvida na origem e desenvolvimento do DAESH / Estado Islâmico / ISIS, com a conivência e o apoio direto da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes e da Turquia, bem mais perigosos a curto prazo para a Europa do que a Al-Qaeda!
3.A ingerência na Ucrânia com o objetivo de fazer uma afronta à Rússia, violando e usurpando o poder constitucional então existente.
B – Subdesenvolvimento e pobreza/miséria crónicas e estruturais em África
E no entanto o bem informado e sábio René Dumont já tinha feito soar o alarme a partir de 1960 nos seus magníficos livros “L’Afrique est mal partie” (A África começou mal) e “Au nom de l’Afrique, j’accuse” (Em nome de África, acuso).
Os últimos quarenta anos “de ajuda ao desenvolvimento”, devido au binómio “corruptor/corrupto” amplamente utilizado, assim como a ignorância e a incapacidade de estabelecer objetivos concretos a curto, médio e longo prazo em África, que beneficiassem as populações e não os seus dirigentes corrompidos, foram particularmente desanimadores, dececionantes e prejudiciais. Praticamente nada mais ficou dessa ajuda ao desenvolvimento a não ser os eufemismos de apelação desses países que passaram de “subdesenvolvidos” a “menos avançados” a, finalmente, “em vias de desenvolvimento”… Tanta asneira arquitetada nas torres de marfim de certos iluminados, pseudo-estrategas e peritos em desenvolvimento que mais não conseguem ser senão indiferentes e insensíveis.
A verdade é que, desde as independências, o fosso norte-sul só se aprofundou (basta para isso comparar o PIB per capita, com todas as insuficiências que encerra, entre a Europa e a África de então e de hoje) na medida exata em que o desespero e a desesperança aumentaram a sul.
C – Alterações climáticas
Os seus efeitos nefastos já estão em curso um pouco por todo o Mundo mas, a curto e médio prazo, tornar-se-ão verdadeiramente catastróficos em África.
Conhecidas as causes e estabelecido o diagnóstico, impõe-se aplicar um tratamento realmente eficaz ainda que o seu pleno efeito só possa conseguir-se daqui a vinte anos.
Atualmente, dezenas ou centenas de milhares de pessoas estão em movimento ou olham para a Europa como o último “El Dorado” possível. Mas rapidamente vão-se multiplicar exponencialmente de três direções principais:
1.África com os seus três eixos de penetração (Somália, Eritreia, Etiópia, Egito ou Sudão por um lado; Líbia, Tunísia, Mali, Nigéria, Chade, República centro-africana, Congo ou Burundi por outra parte e, por último, através de um terceiro corredor, Senegal, Mauritânia, Guiné, Libéria, Marrocos ou Argélia)
2.Médio Oriente com sírios, afegãos, paquistaneses, curdos, iraquianos ou palestinianos
3.Ucrânia…
A Europa está a constituir-se cada vez mais como uma fortaleza: muros, arame farpado, medidas securitárias, nomeadamente militares, sucedem-se! No entanto, não é certamente essa a solução, tanto mais que, como a História nos ensina e como não me canso de repetir ad nauseum há anos, “não há montanha inacessível, nem obstáculo intransponível, nem fortaleza inexpugnável”: a muralha da China foi vencida pelos mongóis, o Crac dos Cavaleiros Cruzados na Síria foi ocupado, a fortaleza de Constantinopla foi tomada pelos otomanos, o desembarque foi possível na Normandia… E estes são apenas alguns exemplos.
Então, que fazer?
1.Parar de provocar conflitos à volta da Europa, seja na África do Norte, no Médio Oriente ou na Ucrânia… e, na medida do possível, com equidade e transparência, tentar acabar com as catástrofes e repor todos esses comboios descarrilados nos carris. Para tal, seriam, evidentemente, necessários homens/mulheres políticos com conhecimento, visão estratégica, sentido de Estado e de diálogo, vontade, determinação e sensibilidade humana, e não ignorantes aprendizes feiticeiros com vistas políticas curtas.
2.Estabelecer um verdadeiro “Plano Marshall” de pelo menos dez mil milhões de euros para África, Médio Oriente e Ucrânia, geridos em três fases: Urgência – Reabilitação – Desenvolvimento, para os próximos dez anos.
3.Um plano de imigração bem estruturado e organizado para a Europa. Em involução demográfica, a Europa precisa urgentemente de mão-de-obra a vários níveis. Não se trata, como é evidente, de “roubar” a matéria cinzenta de África e do Médio Oriente! Trata-se de saber exatamente do que necessitamos para as nossas atividades e de receber dignamente todos esses seres humanos. Relembro aqui que África está com um crescimento demográfico anual de 2,9% enquanto a Europa não atinge os 1,4%. Só o Níger cresce à razão de 3,9% por ano! É por isso do interesse de todos que os vasos comunicantes possam funcionar de forma controlada. África, como bem previu o Sr. Jean Bonvin, já está a por no mercado de trabalho mais jovens do que o conjunto dos seguintes países: Estados Unidos, Canadá, Estados membros da União Europeia, Japão e Rússia. Ao restabelecer a Paz, a Esperança e o Desenvolvimento a Sul e a Este da Europa, a natalidade tenderá forçosamente a baixar, o que não nos impede de lançar um plano de aumento da natalidade na Europa. Dito isto, o plano de imigração deve também, evidentemente, prever um nível securitário que impeça a infiltração, entre os candidatos à imigração, de elementos do Estado Islâmico e outros movimentos fundamentalistas terroristas que tentam e tentarão sempre introduzir-se nos inúmeros cavalos de Troia que todos os dias desembarcam na Europa.
De facto, e em resumo, tal como qualquer bom médico age, é preciso primeiro estabelecer um diagnóstico correto e aplicar de seguida um tratamento eficaz que possa resolver simultaneamente as causas intrínsecas/endógenas e as questões extrínsecas/exógenas do drama em curso da imigração diária em massa.
Já não podemos fazer de conta que não vemos, pois corremos o risco de um dia sermos todos acusados de crime por não assistência a povos em risco e até mesmo a planeta em perigo!
Se não o fizermos desde já, são a Democracia e a Paz na Europa que estarão em causa. É simples.