Uma nova abordagem para detetar mais precocemente a doença de Parkinson e permitir, assim, testar “uma terapia de edição de genes” para tentar travar a doença nas fases iniciais. Uma outra terapia para poder regenerar a medula espinhal e um tratamento personalizado para doentes com Alzheimer, disponibilizando-lhes um método económico e fácil para melhorar as alterações comportamentais. Estas são as três investigações galardoadas, no âmbito dos prémios da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de 2020 (dos quais a VISÃO é parceira de média), e que trazem alguma esperança a estes doentes no sentido de poderem vir a ter melhores condições de vida.
Estas bolsas foram criadas pela SCML para responder “às necessidades dos próprios utentes e à inexistência de respostas na sociedade ao nível de tratamentos ou de terapias eficazes nas áreas das lesões vertebromedulares e doenças neurodegenerativas”, começa por explicar Edmundo Martinho, provedor da SCML. Estes prémios representam um avanço na Ciência e na Medicina Clínica, e já alcançaram “notoriedade junto da comunidade médica e científica”. Por isso, sustenta o provedor, “a Santa Casa acredita que o contributo das novas terapias, que venham a ser descobertas e desenvolvidas, irá proporcionar a melhoria de vida a muitas pessoas”. Como pode acontecer com a investigação de Noam Shemesh, que foi agora galardoada com o Prémio Mantero Belard, no âmbito dos dois Prémios Santa Casa Neurociências, e que está a ser desenvolvida na Fundação D. Anna de Sommer Champalimaud e Dr. Carlos Montez Champalimaud.
O investigador Noam Shemesh espera que, “ao desenvolver uma metodologia de deteção precoce da doença de Parkinson e ao compreender melhor os mecanismos que levam à deterioração da função cerebral nesses doentes, se possa abrir uma porta para novos tratamentos”. Esta “inovadora” abordagem também poderá “permitir testar adicionalmente uma nova terapia de edição de genes para se ver se a doença pode ser travada nas suas fases iniciais”, além de também ter impacto significativo na investigação feita noutras doenças neurodegenerativas.
Noam Shemesh acredita, por isso, que esta abordagem se traduz num avanço científico, uma vez que “as doenças neurodegenerativas são descobertas demasiado tarde e as opções de tratamento são muito limitadas”. A agravar, lamenta, “não existem tratamentos capazes de impedir o aparecimento, travar a progressão ou alterar o decurso da doença”, gerando “grande sofrimento” nos doentes e nos seus familiares. A sua equipa está, então, a tentar compreender as relações básicas existentes entre genes específicos e a doença de Parkinson, podendo “trazer esperança para uma eventual aplicação, no futuro, como tratamento”. Traduzido em miúdos, esclarece, a equipa quer “colmatar uma lacuna crítica na compreensão de como as mudanças moleculares na doença de Parkinson afetam a atividade neural do cérebro e conduzem aos seus terríveis resultados funcionais”.

“Esperamos que, com uma metodologia de deteção precoce de Parkinson, e ao compreendermos melhor os mecanismos que levam à deterioração da função cerebral, possamos abrir uma porta para novos tratamentos”
Noam Shemesh, coordenador do projeto galardoado com o Prémio Mantero Belard 2020
Nova esperança para doentes com lesão na medula espinhal
Também a investigadora Maria Leonor Tavares Saúde traz uma nova esperança aos doentes com lesão na medula espinhal, com o projeto “células senescentes e o seu fenótipo secretor: novos alvos na reparação da medula espinhal” que venceu o Prémio Melo e Castro, um dos dois prémios Santa Casa Neurociências. Este projeto, desenvolvido no Instituto de Medicina Molecular – João Lobo Antunes, pode contribuir “para o desenvolvimento de uma nova terapia para a regeneração da medula espinhal em mamíferos”, explica Maria Leonor Saúde, considerando “as lesões da medula espinhal um problema de saúde muito grave e complexo para o qual não há cura nem um tratamento minimamente eficaz”. Estes doentes perdem controlo motor dos braços e das pernas mas também a sensibilidade ao toque e à temperatura, além de terem dor crónica, falta de controlo da bexiga, problemas no fígado e nos rins e serem mais suscetíveis a desenvolver infeções. Nos últimos anos, a equipa da investigadora tem estudado o microambiente celular da medula espinhal em dois modelos animais: o peixe-zebra, que consegue regenerar a medula espinhal depois de uma lesão, e o murganho, que é um mamífero com pouca capacidade regenerativa, tal como os humanos. “Recentemente, identificámos as células senescentes como potenciais moduladores do resultado regenerativo após uma lesão da medula espinhal”, divulga a investigadora.

“O meu desejo é contribuir para o avanço do conhecimento na área da regeneração. Temos esperança de que os nossos avanços possam, um dia, materializar-se numa nova terapia para lesões na medula espinhal”
Maria Leonor Tavares Saúde, coordenadora da equipa galardoada com o Prémio Melo e Castro 2020
A equipa descobriu que, “enquanto no peixe-zebra as células senescentes são temporariamente induzidas na periferia da lesão, no murganho estas células acumulam-se e persistem ao longo do tempo”. Depois, veio a comprovar que “a eliminação das células senescentes conduz a uma considerável recuperação motora e sensitiva nos murganhos lesionados”. O próximo passo será, por isso, compreender quais os fatores que estas células produzem e como estes se alteram, ao longo do tempo, após uma lesão, “uma vez que esse conhecimento poderá criar novas oportunidades para se encontrar alvos terapêuticos”. A equipa quer, assim, caracterizar o programa de senescência celular na medula espinhal lesionada e ainda nos órgãos periféricos, como a bexiga, o fígado e o baço, afetados com esta doença – o que poderá, no futuro, ser uma porta para novas terapias direcionadas para os diferentes órgãos no contexto deste tipo de lesões.
Medicina personalizada aplicada à demência
Também o neurologista João Durães, vencedor do Prémio João Lobo Antunes 2020, quer trazer alguma esperança no sentido de, no futuro, os doentes com doença de Alzheimer ou demência com corpos de Lewy verem atenuados o sofrimento e o impacto que estas condições têm nas suas vidas. “A doença de Alzheimer é a causa mais comum de demência, caracterizada pela perda progressiva de memória e de capacidade cognitiva e por alterações de comportamento”, resume. Já a demência com corpos de Lewy, descreve, “é a segunda causa mais comum de demência neurodegenerativa, caracterizada clinicamente por flutuações da capacidade cognitiva e de comportamento, alucinações visuais, alterações do sono, tremores ou parkinsonismo”. O objetivo deste projeto, Perturbação do Ritmo Circadiano: Um Alvo para Intervenção Personalizada nas Demências Neurodegenerativas, é desenvolver um tratamento personalizado, baseado no ritmo de cada doente.

“Pretendemos investigar os padrões de ritmo circadiano em doentes com Alzheimer ou demência com corpos de Lewy, delineando também um tratamento baseado nos perfis individuais encontrados”
Neurologista João Durães, vencedor do Prémio João Lobo Antunes 2020
Os ritmos circadianos “são os relógios biológicos que regulam o nosso organismo, através de ciclos fisiológicos e comportamentais autossustentados, como, por exemplo, os ritmos de atividade, de sono, de metabolismo, de temperatura corporal ou de produção hormonal”, explica o investigador. Estes ritmos apresentam uma periodicidade de aproximadamente 24 horas e são condicionados por estímulos externos, sendo a luz o principal. O neurologista vai, então, “utilizar o conhecimento do perfil de ritmo circadiano e da expressão dos genes do relógio, em cada doente, para o respetivo tratamento a aplicar”, dando corpo ao conceito de “medicina personalizada que tem alcançado cada vez mais importância com os recentes avanços no campo da Genética”.
O doente e os seus cuidadores terão depois disponível “um método económico e fácil de utilizar, em casa ou em instituições, para melhorar as alterações comportamentais, possibilitando significativos benefícios pessoais, familiares, sociais e económicos” – o que não será para já, pois estes estudos ainda demoram alguns anos a desenvolver.
PRÉMIOS SANTA CASA NA ÁREA DAS NEUROCIÊNCIAS
Prémios Mantero Belard e Prémio Melo e Castro, ambos criados em 2013, com um prémio de 200 mil euros, e Prémio João Lobo Antunes, criado em 2017. Nas próximas semanas serão conhecidos os vencedores de 2020. Saiba mais aqui.