Carlos Marques, 50 anos, militar da GNR de Beja, está habituado a ver os residentes que se deslocam de cadeira de rodas a circularem pela cidade mas, admite, não lhe passavam pela cabeça as dificuldades que as pessoas com mobilidade reduzida sentem no quotidiano. “Qualquer obstáculo é uma complicação”, garante o militar, sentado numa cadeira de rodas emprestada pelo Centro de Paralisia Cerebral de Beja (CPCB). “Se mais pessoas sem problemas de saúde passassem por esta experiência, aposto que no dia seguinte seriam incapazes de estacionar o carro no passeio”, acredita Carlos Marques, habituado às queixas dos utentes do CPCB relativamente aos condutores menos conscientes.
A ideia de sentar pessoas com mobilidade em cadeiras de rodas partiu da equipa do CPCB e foi integrada na ação no terreno da iniciativa Por Um Bairro Melhor, que une a VISÃO, SIC Esperança e Comunidade EDP, no apoio a projetos que deem nova vida a bairros portugueses. Foram vários os utentes com mobilidade reduzida do CPCB que estiveram presentes para acompanharem a ação e falarem dos desafios que enfrentam diariamente.
Além de sensibilizar a população para a importância de garantir a mobilidade de todos os residentes do bairro, a iniciativa também implicou a melhoria das acessibilidades mais próximas do Centro de Paralisia Cerebral, em parceria com a própria instituição, a Câmara Municipal de Beja e a União de Freguesias de Santiago Maior e São João Baptista.
Obstáculos à autonomia
“É importante que as pessoas sem problemas de mobilidade passem por esta experiência para perceberem o que sentimos”, defende Sandra Vitorino, 42 anos, que usa cadeira de rodas desde pequena por ter paralisia cerebral. Habituada a lidar com desafios, encontrou os seus próprios métodos para lidar com as barreiras arquitetónicas: “Quando os passeios são muito altos, tento descê-los de costas para ser mais fácil travar”, explica.
Rebaixar passeios e passadeiras para facilitar a circulação de cadeiras de rodas, instalar corrimãos ou rampas são algumas das alterações em curso em torno do CPCB. “Facilitar a mobilidade tem uma importância absoluta. Todos devemos ter a maior autonomia possível e muitas destas pessoas são autónomas se lhes derem condições para isso”, explica a presidente da direção do CPCB, Francisca Guerreiro, 45 anos.
“Esta zona é riquíssima em vida de bairro. Há muito comércio, mas quem tem mobilidade reduzida não consegue lá ir. Só vão se alguém tiver disponibilidade para os levar e ajudar a contornar os obstáculos”, acrescenta a também psicóloga.
As áreas intervencionadas no âmbito da iniciativa foram sugeridas pelos utentes do CPCB, que acompanha cerca de 500 pessoas nas suas várias vertentes, como o Lar Residencial, o Centro de Atividades Ocupacionais ou o Centro de Recursos e Inclusão. O jardim mais próximo do centro será um dos locais que se irá tornar acessível.

No quotidiano são muitas as barreiras arquitetónicas que as pessoas com mobilidade reduzida enfrentam. A circulação nos passeios pode ser uma verdadeira prova de obstáculos
Marcos Borga
Atletas de barreiras
Benilton Oliveira, 47 anos, chegou a Beja, vindo do Brasil, há 24 anos. Foi o “desporto rei” que o atraiu para o Alentejo: “Vim jogar futebol”, conta. A esclerose múltipla atirou-o para a cadeira de rodas há seis anos, mas a sua carreira desportiva não acabou aí. Hoje joga basquete em cadeira de rodas, mas lamenta que não exista um campeonato oficial da modalidade.
O atleta dá um exemplo prático de como a falta de acessibilidades limita a sua autonomia: “Se eu precisar de levantar dinheiro tenho de pedir a alguém que vá comigo porque não há nenhum multibanco adaptado aqui perto”, revela.
São sobretudo as instituições públicas que Benilton Oliveira gostaria que fossem acessíveis a todos. “As bibliotecas, as piscinas municipais, as Finanças… São sítios a que era bom conseguirmos ir sem ajudas”, apela. Mas a sua principal irritação está, sem surpresas, relacionada com os condutores… “As pessoas não respeitam os lugares de estacionamento reservados às pessoas com deficiência. Estacionam nos nossos lugares sem pensarem duas vezes”, denuncia.
Benilton Oliveira não é o único atleta que frequenta o CPCB. Entre os utentes está, também, um ex-campeão nacional de Boccia, que participou nos Jogos Paralímpicos de Sidney, em 2000. Da ida à Austrália, Luís Belchior, 45 anos, recorda particularmente o “chão lisinho e sem barreiras”. No seu dia-a-dia, em Beja, está habituado a andar à beira da estrada sempre que os passeios são demasiados altos para conseguir subi-los de cadeira de rodas. “É perigoso andarmos na estrada e, muitas vezes, temos de atravessar sem ser nas passadeiras porque elas não estão rebaixadas”, alerta.
Gil Alberto, 44 anos, outro dos utentes do centro com paralisia cerebral, acredita que “quem não tem dificuldades” como as suas “não tem sensibilidade para o problema”. E por isso elogia a iniciativa de pôr pessoas com mobilidade a experimentarem cadeiras de rodas.
Gil Alberto (à drt.) acredita que só experimentanto uma cadeira as pessoas com mobilidade compreendem as dificuldades de circular sobre rodas
Marcos Borga
Um bairro para todos
O vice-presidente da Câmara Municipal de Beja, Vítor Picada, 39 anos, foi um dos voluntários que aceitou o desafio de fazer um percurso de cadeira de rodas. Promover a acessibilidade na cidade, garante, é uma das prioridades da autarquia. De tal forma que a sensibilização para a importância da mobilidade começou na equipa de engenheiros e arquitetos da Câmara, que também já viveram a experiência de circular na cidade em cadeiras de rodas. “Acima de tudo, é preciso contribuir para mudar mentalidades. Todos devemos estar conscientes das dificuldades uns dos outros”, defende o autarca.
Mas não são só as pessoas com deficiência que beneficiam de uma cidade mais acessível, lembra o presidente da União de Freguesias de Santiago Maior e São João Baptista, Miguel Ramalho, 54 anos: “Também os mais velhos beneficiam deste tipo de acessos, como as rampas, assim como quem esteja temporariamente limitado na sua mobilidade, por exemplo, por ter sofrido um acidente”, afirma.
Outra instituição que se associou à iniciativa foi a Pastelaria Paula. O proprietário, Mauro Mira, 34 anos, vai instalar duas rampas nas entradas do café com o apoio da autarquia. Antigo voluntário na CERCI de Beja, Mauro Mira admite que era impossível não se associar à causa: “Em primeiro lugar, estamos a ajudar quem tem problemas de mobilidade. Em segundo, mostramos que o estabelecimento está sempre à frente na solidariedade”, diz, orgulhoso, o empresário.
Inês Marques, 32 anos, da Comunidade EDP, confessa não encontrar melhor sinónimo para “vida de bairro”, do que “ir ao café”. Daí este projeto de mobilidade encaixar tão bem na iniciativa Por Um Bairro Melhor, acredita. “O objetivo é apoiar projetos que impliquem pôr as mãos na massa e que tenham um impacto real na vida da comunidade. Ao contribuirmos para a mobilidade de todas as pessoas do bairro conseguimos esse efeito”, explica, antes de acrescentar: “Além desta ser uma ideia facilmente replicável noutros bairros”.
O percurso de cadeira de rodas pelo bairro termina junto à pastelaria Paula e Sandra Vitorino aproveita para deixar uma promessa ao proprietário: “Logo passo por cá!”. Afinal, aquela é das poucas esplanadas com condições para as cadeiras de rodas.
Fátima Estanque, 41 anos, responsável pela área social da União de Freguesias de Santiago Maior e São João Baptista, não tem dúvidas sobre o contributo das acessibilidades para a melhoria da qualidade de vida de quem vê a sua mobilidade limitada, mas o papel da iniciativa, no seu entender, não termina aí: “Além de quebrar barreiras arquitetónicas, quebra barreiras de consciência”. E os vizinhos – os de hoje e os do futuro – ganham um bairro melhor.
Por um bairro melhor é a iniciativa que une a VISÃO, SIC Esperança e a Comunidade EDP em busca dos vizinhos mais ativos do País. Participe, dê ideias, contribua. Tudo por um bairro melhor.