Incentivar a construção modular é um dos objetivos do Governo previstos no programa ‘Mais Habitação’ para dinamizar o complexo mercado imobiliário. Mais rapidez de construção é obviamente sinónimo de uma entrada mais rápida de unidades que estão em falta, o que na prática se traduz em mais stock e, consequentemente menos pressão por parte da procura e dos preços das casas. Mas, apesar da teoria eficaz, na prática são poucas as empresas em Portugal com know-how suficiente para aceitar o desafio do Governo. A Casais faz parte das honrosas exceções.
A construtora tornou-se recentemente acionista da empresa Cree Buildings, juntando-se aos austríacos do Grupo Rhomberg e do Zech que querem liderar a transição verde na construção europeia. Uma sociedade que surge três anos após a empresa ter-se tornado parceira oficial da Cree através do primeiro hotel Cree em Guimarães, que ficará concluído este mês. Os dois edifícios de 4 andares são o primeiro projeto híbrido para Hotéis B&B em Portugal, mas o próximo em Madrid já está em curso e tem atraído a atenção de promotores e operadores hoteleiros de toda a Europa, analisando o potencial de utilização do sistema Cree noutros países, garante o CEO da empresa.
O sistema Cree, recorde-se, assenta na edificação híbrida dos edifícios utilizando madeira para a construção de edifícios pré-fabricados, reduzindo o betão e o tempo de produção da obra, uma vez que se aposta na construção em fábrica e posterior montagem no terreno, numa espécie de Lego à escala real.
A utilização de madeira como matéria-prima e a pre-fabricação padronizada de componentes como painéis de teto e de fachada, pilares e/ou estruturas, que podem ser rapidamente montados no local da obra, permitem reduzir o impacto ambiental e criar produto a custos controlados.

Que vantagens existem na chamada construção off-site, ou seja, construção modular feita em fábrica, em materiais como o betão ou a madeira, por exemplo? O que emperra essa industrialização por cá? Os nossos vizinhos espanhóis têm registado ótimos resultados nessa área…
Acima de tudo, essa industrialização implica uma alteração de mindset. É preciso um grande alinhamento dos clientes e projetistas, porque essa industrialização requer um envolvimento desde cedo. Penso que a obra pública, que devia ser exemplar nesse sentido, não o é, porque o modelo de contratação pública acaba por obrigar a fazer para a maior parte das obras um projeto extremamente detalhado, para depois haver um concurso de construção. Esse é um obstáculo grande para o mercado poder propor as suas opções construtivas. Somos um país pequeno e as empresas têm as suas especialidades, e na maioria das vezes temos uma grande limitação para a utilização das nossas competências, porque é necessário cumprir com um projeto de detalhe que já está fechado.
Isso não significa que os projetos tenham de ser feitos pelos empreiteiros, significa que pelo menos o projeto de execução, o de detalhe, deve ser sempre feito pela entidade executante, que não é o que acontece. Agora, com o processo da conceção de construção, é possível que assistamos a algumas empreitadas que permitam fazer isto, mas existe um lado menos positivo que é o facto de várias empresas estarem a concorrer e a desenvolver uma solução, mas apenas uma ganhar. É a realidade que existe neste momento, mas para termos a capacidade de aplicar a industrialização, é necessário que a indústria, desde fornecedores a pré-fabricadores ou empresas de construção, possa colocar em cima da mesa as suas soluções executivas. É necessário um processo colaborativo de trabalho e de contrato…
É possível dizer algo como ‘a construção em fábrica permite uma poupança de custos (por m2) na ordem dos…”?
Os custos da construção em fábrica são similares, porque a quantidade de materiais é similar. Contudo, é inegável que se ganha tempo e tempo é dinheiro. A construção off-site permite-nos um processo de construção mais rápido, e por isso evita atrasos e extensão dos prazos.
Por outro lado, a construção off-site apresenta soluções mais eficientes e com menos consumo de recursos para combater a escassez de matérias-primas e de mão de obra do setor. Há neste tipo de construção uma procura pela utilização de materiais que incorporem o verdadeiro espírito da economia circular, que possam ser adaptados, reaproveitados no final do seu ciclo de vida, e sendo esta uma construção que incorpora muitos mais materiais renováveis, se um dia se equacionar a sua demolição, esta será sempre mais sustentável. Quando falamos de poupança falamos de tempo, mas falamos também de redução de emissões de carbono, de ruído, de poeiras e economia de tempo e recursos.
Referiu numa entrevista à Visão Verde que “para descarbonizar o planeta, temos de utilizar um material que é um armazém de carbono. A próxima geração de edifícios tem de ser cada vez mais feita de madeira”. Quão longe está Portugal deste objetivo? E a nossa floresta (e clima quente) permitiriam uma linha de orientação similar aos países nórdicos, por exemplo?
Portugal precisa mais deste processo do que os países nórdicos. Essa é a única forma de dar valor à nossa floresta, para que ela seja tratada e cuidada e dessa forma se evitem os incêndios. Estamos, por isso, longe de alcançar esse objetivo e a transição para um modelo de construção híbrido é imperativa.
Precisamos de construir edifícios que se adaptem às necessidades e que acompanhem as mudanças dos negócios, das empresas e das pessoas. A utilização da madeira permite grande flexibilidade e tem a vantagem de atuar como sequestradora de carbono. Na construção híbrida, ao reduzirmos para menos de 40% a utilização do betão e ao usarmos um sequestrador de carbono natural (madeira), o ambiente beneficia duplamente. Além disso, por ser uma solução mais leve, a escavação necessária é menor, minimizando também a degradação dos solos que dela resulta. Por sua vez, o betão aporta durabilidade, resistência e inércia térmica ao projeto.
Contudo, estamos conscientes dos cuidados que implica a utilização da madeira na construção. Além de garantirmos a persecução das melhores práticas de sustentabilidade na exploração da floresta, é necessário que, mais à frente, na cadeia de produção, existam parceiros locais de engenharia de madeira, por forma a limitar as necessidades de transporte e a tornar a solução ainda mais ambientalmente responsável.
Na mesma entrevista ao meu colega, referia que “os fundos imobiliários estão muito atentos às metas de longo prazo, já estão a descontar no valor do ativo a desvalorização futura. Eles sabem que um ativo construído com materiais pouco sustentáveis vai ser um passivo. Estes ‘drivers’ acabam por funcionar.” Sente que essa preocupação já se aplica por cá?
É gradual, mas inevitável. Como temos muito capital no nosso mercado proveniente de fundos internacionais, esses são os primeiros a trazer a exigência de aplicação do capital neste tipo de projetos. A própria banca comercial começa a ter exigências de aplicação de capital em projetos verdes. À medida que a União Europeia aplique mais impostos e taxas sobre os materiais e soluções menos sustentáveis, mais veremos esta dinâmica tornar-se irreversível.
Costuma dar o exemplo interessante de França, onde existem municípios que atribuem mais 30% de área de construção se o edifício for neutro em carbono, o que acaba por ser um incentivo para a reconstrução urbana. Da experiência da Casais há algum município em Portugal que se destaque nesse sentido? Para além de Guimarães?
O Porto está a trabalhar na criação de um Índice Ambiental Municipal, destinado a incentivar os promotores de projetos de recuperação, reabilitação e construção a potenciar o uso de soluções de base natural nos projetos. Este Índice, que está previsto no PDM, visa fomentar o aumento do conforto bioclimático dos edifícios da cidade e reduzir a vulnerabilidade dos mais frágeis a episódios climáticos extremos. É um exemplo muito positivo e inovador que pode servir de linha orientadora para outros municípios no nosso país e que se revela uma medida que prioriza a questão ambiental na área da construção. É este o caminho que os principais agentes envolvidos no setor da construção, direta ou indiretamente, devem considerar para um futuro com edifícios mais sustentáveis.
Qual o ponto de situação do projeto de Guimarães?
O Hotel B&B Guimarães está na reta final de conclusão, num processo de construção que foi absolutamente inovador. Este é o primeiro edifício de construção híbrida na Península Ibérica, que é exemplo de um equilíbrio entre produtividade, pessoas e planeta e o primeiro a usar um bio-material que armazena carbono numa filosofia de economia circular.
Pela primeira vez na Península Ibérica foi implementada uma estrutura com o Sistema CREE, que permitiu acrescentar um piso a cada dois dias, incorporando já todos os componentes de instalações técnicas e acabamento interior, sendo esta uma empreitada com uma orquestração logística de assemblagem.
Recordo que o lançamento da primeira pedra desta obra decorreu em fevereiro deste ano (2022). Se esta fosse uma empreitada com uma técnica de construção tradicional, teria no mínimo 18 meses de duração. O B&B Guimarães é uma empreitada que, apesar de ter metade da obra em sistema tradicional, tem uma outra metade totalmente industrializada, e por isso mesmo temos uma parte da obra que termina no final deste ano e outra que vai durar até março de 2023.
Normalmente, numa empreitada, falamos sempre de atrasos e extensão dos prazos, mas com a implementação deste processo de construção, conseguimos uma redução dos mesmos.
Existem já outros em desenvolvimento, integrados no conceito de construção off-site?
Sim, a obra do B&B em Madrid, que integra um conjunto de investimentos B&B no mercado espanhol. O nosso conhecimento do produto – com base no que estamos a fazer aqui em Portugal – e da tipologia dos projetos abriu-nos a porta para começarmos a fazer também este tipo de investimentos em Espanha. Este processo de construção vai também levar um pouco da nossa capacidade industrial. Pela primeira vez, estamos a falar em fabricar produtos e componentes de construção em Portugal (não apenas caixas de cerâmicos ou louças sanitárias, porque esses produtos já eram exportáveis há muito tempo, mas levar produtos mais compostos, como paredes e casas de banho inteiras) para montar nos edifícios que vamos construir em Espanha. É um trabalho muito grande na fase de projeto e de elaboração, mas que depois facilita todo o processo de montagem. Pensar esta abordagem era difícil sem uma forte aposta na digitalização, na industrialização e num trabalho muito colaborativo com o cliente. Passamos a ter um processo de mais assemblagem, que está a ser feito em Portugal e agora será em Espanha, e que amanhã pode ser em França, Bélgica, Alemanha ou outros países. O nosso objetivo é fazer cerca de dez hotéis em Espanha e não existe limitação nas localizações porque o projeto permite esta flexibilidade.
Temos estado a trabalhar no sentido de incorporar estas soluções industriais para habitações a rendas acessíveis e também para residências de estudantes, porque têm um grande nível de estandardização e repetição, onde se pode tirar proveito da industrialização. Além disso, têm um volume que permite criar escala e com isso obter uma economia de escala, que é o que se pretende. Por outro lado, damos ainda resposta aos prazos e exigências do PRR, que tem neste momento taxas de execução baixas, a que muito se deve esta falta de industrialização. Ao fazermos obras desta forma, tiramos proveito da produtividade, e sabemos que a baixa produtividade da nossa mão de obra se deve muito ao facto de utilizarmos soluções tradicionais e de baixo valor acrescentado.